Ainda visto como um produto para decorar casa de praia e campo, e nem sempre a moradia principal, o artesanato é o foco da pesquisa da jornalista, curadora e especialista em design Adélia Borges. Na semana passada, Adélia esteve em Porto Alegre para lançar o livro Design + Artesanato: O Caminho Brasileiro, no qual mostra rumos para que os trabalhos artesanais ganhem maior valor agregado.
Um dos poucos produtos que carrega o conceito de sustentabilidade nos quatro aspectos - econômico, ambiental, social e cultural - o artesanato precisa de apoio para crescer em importância e qualidade.
A curadora é entusiasta das iniciativas que disseminem o artesanato de qualidade - a exemplo da loja que conheceu no bairro Moinhos de Vento e que serviu de ponto para a sessão de autógrafos de seu livro. Defensora de ideias que têm contribuído para a transformação dos produtos regionais em artigos de destaque para a cultura popular, Adélia falou a Zero Hora. Confira abaixo os principais temas estudados pela profissional.
Design x artesanato
No Brasil, as primeiras faculdades de design foram inspiradas no modelo alemão, muito industrializado. Isso gerou uma ruptura, um antagonismo à produção artesanal brasileira, diferentemente de países como a Itália e o Japão, onde o design teve origem nos trabalhos manuais.
Mas hoje já há essa aproximação, tanto que o prêmio IF, de Hannover, um dos mais importantes do design, já premia produtos artesanais brasileiros.
Para que o artesanato seja considerado design, é preciso que ele possa ser repetido em série, seja pelo próprio artesão ou por terceiros.
Qualificação técnica e estética
Quando chegam designers, antropólogos ou gestores da cidade em lugarejos rurais, há uma contribuição enorme para o artesanato. Um gestor pode chegar em uma comunidade e ensinar como o artesão pode calcular o quanto cobrar pelo seu trabalho. Isso leva a uma requalificação do artesanato, que hoje tem maior nível técnico - você compra algo tingido e a tinta não desbota, compra uma cerâmica que não quebra no transporte - e também há uma melhora estética, baseada na cultura local.
Um exemplo do Rio Grande do Sul é o projeto Bichos do Mar de Dentro (detalhe), na região da Lagoa dos Patos. Havia o domínio da técnica artesanal, com tricô, crochê, biscuit, estamparia, mas não um tema específico. Com o direcionamento, os trabalhos passaram a tratar do mesmo assunto. Na hora que você compra um produto desses, adquire uma história - dos bichos desse lugar.
Força de arte
Vivemos em um mundo muito virtual. Então, quando é possível comprar um produto com uma história, o objeto acaba ganhando importância, uma força de arte. Tudo o que faz referência a uma experiência real, à singularidade e ao pertencimento ganha importância, como um objeto de arte, e por isso acaba sendo exposto em casa.
Ainda há um certo preconceito com o produto artesanal, muita gente não valoriza ou fala "vou pôr isso na casa de praia, de campo, de final de semana". Mas isso está caindo, porque há objetos artesanais que têm a força do objeto artístico.
Exposição diferenciada
- Hoje a gente vê artesanato disposto empilhado, o que leva a uma desvalorização do produto. Nunca vamos comprar artesanato pelo preço, porque o produto industrial vai ser mais barato. Quando alguém compra artesanato, adquire uma história de como é feito. Isso precisa ser utilizado como argumento de venda - ensina a especialista Adélia Borges.
Ela prossegue explicando que, além disso, é preciso desatar o nó da logística e da distribuição: sair da casa da artesã e chegar até o centro consumidor. No Estado, o projeto Mão Gaúcha, conduzido pelo Sebrae-RS era exemplar, porque criou uma marca única, o pião, para vender os produtos com uma grife. Tinha inclusive uma loja no Mercado Público, que servia como um centro para o turista comprar peças tradicionais do Rio Grande do Sul, longe dos estereótipos. O problema é que a loja foi fechada.
Adélia considera um exemplo a ser seguido uma operação em São Gabriel da Cachoeira (AM) - cidade com mais de 90% da população indígena - onde os artesãos criaram e dirigem a loja Wariró para vender os próprios trabalhos. E ainda expõem as peças de forma exemplar.
Mão de luxo
Artesanato de qualidade ganha status de obra de arte dentro de casa
Curadora Adélia Borges defende a profissionalização dos produtos feitos à mão para o aumento da rentabilidade
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