Geralmente é assim: você deixa sua camisola na casa dele, ele deixa um par de chinelos na sua casa. Namoro novo, ambos empolgados. Então começa um troca-troca mais expressivo: você empresta pra ele um notebook que não andava usando, ele deixa a bicicleta na sua garagem.
Você deixa meia dúzia de potes de creme na bancada dele, e ele, quatro camisetas na prateleira mais alta do seu closet. Até que um dia ele traz o cachorro para passar uns dias e, como você tem um pátio, é lá que o pet se instala. E você leva uns 35 livros pra casa dele porque não tem mais onde guardar. Até que o amor, que era pra sempre, um dia acaba e chega a hora do “devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu”.
Encontrei uma amiga que estava fazendo hora para ir até a casa do ex buscar suas coisas. Eles ficaram juntos por dois anos, e nem era tanta tralha que ela havia deixado por lá, mas sempre é constrangedor bater a campainha de um apartamento do qual você já teve a chave e, 10 minutos depois, sair com uma sacola na mão e um beijo na testa – o beijo na testa seria o máximo de erotismo que poderia acontecer naquela despedida. Cheguei a sugerir que ela deixasse suas coisas por lá mesmo, mas havia um cashmere que ela economizou pra comprar e nem morta deixaria de legado. Rimos.
Ela estava mais leve. Mais bonita. Mais brincalhona. O namoro foi uma tortura psicológica, ela havia forçado a barra naquela relação, desde o início não foi o que ela esperava, não tinha a ver com seu modo de viver, ela nem mesmo estava segura de ser hétero, confidenciou. Mas andava tão cansada de ficar sozinha que topou esticar a corda naquele namoro, até que a corda arrebentou. Agora tinha que buscar o tal cashmere e mais umas quinquilharias, só estava fazendo tempo até ele chegar do trabalho, seria avisada por WhatsApp.
Olhei pra ela. Estava realmente mais bonita. Claro, ela havia se devolvido para si mesma. Voltava a conversar sem pisar em ovos, voltava a se vestir de um jeito menos perua, voltava a olhar para os lados, e pediu cerveja em vez de vinho. Lembrei nossa adolescência. Ela era a mais maluquete da turma, a mais livre de todas, e agora nem parecia que o tempo havia passado, ela voltava a ser integralmente quem era. É chato ter que buscar nossas coisas na casa do ex, mas a devolução mais importante é a da nossa essência – estorno automático, sem precisar nos buscar em lugar algum, a não ser dentro de nós.
O sinal do WhatsApp tocou, era ele avisando que já estava em casa e ela poderia ir pegar suas coisas. No mesmo instante, uma garota entrou no café, olhou fixo para minha amiga e sentou sozinha no balcão. Percebi um clima no ar, então me levantei para ir embora. Esquece aquele cashmere, eu disse, fica aí. Depois eu soube. Ficaram naquela noite mesmo.