Faz alguns anos. Um desconhecido bateu na janela do meu carro enquanto eu estava estacionada em frente à escola da minha filha. Abri o vidro. Ele não apontou uma arma para o meu nariz e, sim, me contou uma história triste que envolvia uma criança, uma aflição paternal e falta de recursos. Pareceu convincente. Dei a ele uns R$ 30, e o cara sumiu como se fosse uma postagem apagada às pressas. Era fake news. Eu caíra na conversa de um charlatão, minha especialidade.
Acredito nas pessoas, sou dessas. O motivo é nobre e autoelogioso: se eu não sou capaz de enganar alguém, acredito que os outros também não sejam. Isso já teve um nome: fé na humanidade. Hoje, chama-se estupidez. Acorda, mulher.
Acordei com o sinal do WhatsApp. Uma amiga encaminhou uma foto e logo procurei sinais de uma provável montagem. Acordei com o alerta sonoro do Messenger. Era um áudio de um político dizendo coisas que destoavam de seu discurso habitual. Acordei com o telefonema de um funcionário do banco pedindo para eu digitar minha senha a fim de ter acesso a benefícios vantajosos. Acordei com o e-mail da viúva de um sheik árabe que herdou alguns milhões e me propunha uma sociedade. Acordei com uma postagem no Instagram de uma loja online que vende roupas 50% off com entrega em cinco dias, desde a China até meu bairro em Porto Alegre.
Acordei na marra, sacudida por uma avalanche de tentativas de extorsão, promessas falsas e notícias requentadas que se fazem passar por novidade. Sacudida por pedidos de amizade de pessoas mal-intencionadas, por confissões íntimas de “amigos de infância” com quem nunca troquei uma palavra ao vivo, por um universo paralelo que se instalou como se de verdade fosse. Não tenho (não temos) mais a prerrogativa de ficar distraídos, de manter a alma leve e a certeza das boas intenções: o mundo está nos exigindo vigilância 24 horas a fim de detectar arapucas. Para quem sempre foi confiante na boa índole alheia, ter agora que ficar de olho aberto contra tudo que chega via redes sociais é, para mim, uma amostra grátis do inferno.
Hoje, nas raras vezes em que me rendo aos apelos do comércio online, uso um aplicativo que permite que eu crie um cartão de crédito virtual que serve para uma única compra e logo desaparece – uma forma de evitar clonagens. Também já conheço de cor os números de telefone que são suspeitos, não atendo mais suas ligações. E durante a campanha eleitoral a qual acabamos de sobreviver, chegava a sentir enjoos diante de tanto boato se fazendo passar por fato.
Taí um efeito colateral da tecnologia: adeus, saudável inocência. Eu, que nunca fui desconfiada, acabei entrando também para a turma dos cabreiros.