Outro dia, entrei no escondido Carmelita, bar da Cidade Baixa, e pensei: parece que estou em outra cidade. Imediatamente, um pensamento se sobrepôs ao primeiro: ei, você está em Porto Alegre, que bobagem é essa de se "sentir" em outra cidade? É que costumo assumir o papel de estrangeira quando vou a um lugar pela primeira vez. Vício de quem sai pouco e, quando sai, frequenta sempre os mesmos bares, os mesmos restaurantes e as casas dos mesmos amigos. De repente, uma nova porta se abre na sua rotina e você coloca uma mochila imaginária nas costas.
No dia seguinte, fiz outro programa do tipo que a gente só faz quando viaja. Muita gente que vai a Paris inclui uma visita ao Père-Lachaise no roteiro – o cemitério onde estão enterrados Oscar Wilde, Jim Morrison e Chopin, entre outros célebres. Já em Buenos Aires, um tour pelo cemitério da Recoleta é tão obrigatório quanto comer no Puerto Madero, circular pela Feira de San Telmo ou assistir a um espetáculo de tango. Pois, sem estar de férias, me distanciei alguns poucos bairros de onde moro e participei de uma visita noturna ao Cemitério da Santa Casa, aqui mesmo nesta nada turística urbe onde nasci.
O evento já aconteceu outras vezes e voltará a acontecer, antene-se. Organizado pelo Atelier Livre, integra a série Passeios pela Arte e é conduzido pelo professor José Francisco Alves, que, com uma lanterna na mão e muita informação na cabeça, explica ao grupo o valor arquitetônico e histórico de esculturas, mausoléus e tumbas reunidos naquele ambiente sagrado – cemitério é, de fato, um lugar sagrado.
Mas não é mórbido. O programa é gótico e a atmosfera é mística e cinematográfica. Muita proparoxítona neste início de parágrafo – incluindo a palavra parágrafo –, mas não encontro outros adjetivos para ilustrar a cena. É uma experiência que transfigura o simbolismo do local. Onde se deveria pensar em morte, pensa-se em vida e nos valores que a tornam significativa: beleza, história, memória, amor.
O tour guiado começou às 18h e reuniu várias tribos, mas cheguei um pouco antes e caminhei pelas alamedas ainda vazias de gente, iluminadas pelo cair do sol no Guaíba.
O entardecer coloriu a colina, morada dos túmulos suntuosos e dos monumentos protegidos por muros e portões.
Era possível escutar profundamente o silêncio – ausência de vozes, ausência de barulho, ausência de pessoas. Pura magia: a ausência e a permanência disputando o mesmo espaço.
São sensações que a gente experimenta quando viaja, mesmo a dois passos de casa, com a tal mochila imaginária nas costas. A aventura de procurar a vida onde ela se apresenta – e também onde ela se esconde.