Faleceu ontem, terça-feira, depois de alguns anos respirando por aparelhos, o digníssimo Horário Comercial. Ironicamente, morreu fora do horário comercial, às 23h42min da noite, quando o telefone tocou na casa de uma família que já estava recolhida em seus aposentos, de luz apagada.
Ao levantar da cama, onde se encontrava deitado, quase pegando no sono, o sr. Vladimir, que acorda todos os dias às 5h da manhã para pegar um ônibus a fim de chegar às 7h30min ao trabalho, arrastou as chinelas até a cozinha, onde fica o único aparelho fixo da casa, e, ao atender, escutou a voz indiferente de uma moça desconhecida que passou a listar as vantagens que o sr. Vladimir teria caso renovasse a assinatura de duas revistas que ele, curiosamente, nunca assinou.
Sr. Vladimir, muito gentil, mandou a moça para aquele lugar – a cama dela – e voltou para a sua resmungando qualquer coisa que dona Adelaide, que também estava sonolenta, entendeu com muito custo. "Outro que morreu", foi o que seu marido sentenciou. Aquele telefonema perto da meia-noite foi a pá de cal no que se convencionou chamar de "horário restrito para assuntos comerciais e profissionais". Não existe mais.
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Era um período variável. Das 8h às 18h. Ou, mais curto, das 9h às 17h. Mais curto ainda, das 10h às 16h. Nunca ficou bem determinado, mas subentendia-se que horário comercial era aquele em que as lojas abriam e fechavam, os bancos abriam e fechavam, os escritórios abriam e fechavam, os consultórios abriam e fechavam, e, dentro deste espaço de tempo, os que prestavam serviço se entendiam com seus potenciais clientes.
Parece cena de filme mudo em preto e branco.
Hoje o mundo é uma emergência de hospital 24/7. Você manda uma piadinha por WhatsApp às duas da manhã para uma amiga porque sua emergência é a insônia. Você telefona às 10 e meia da noite para um hidráulico porque sua emergência é um chuveiro pingando. Você manda um SMS de madrugada para o ex-namorado porque sua emergência é atrapalhar o novo relacionamento dele. Você manda uma mensagem para seu secretário pelo inbox do Face, em pleno domingo, porque sua emergência é o narcisismo: precisa sentir que estão todos a seu dispor.
Horário comercial, hoje, é apenas uma lembrança. Entrou para o obituário dos bons modos.