Fui renovar minha carteira de habilitação e o sistema, do nada, travou. Por mais que o funcionário tentasse entrar com os dados, a operação congelava sempre na mesma tela. Então ele falou alguma coisa no ouvido da colega ao lado e chamou a supervisora.
Por fora, permaneci esfinge. Por dentro, já me via com 120 pontos na carteira, com multas acumuladas desde 1981 ou, muito pior, com um crime nas costas. Mas logo eu, que me esforço para fazer tudo direitinho? Se cometi mesmo essas atrocidades, devia estar bêbada, o que também é crime. Não havia saída para o meu caso.
Já ia chamar minha advogada quando a supervisora esclareceu: existe uma inconsistência no nome da tua mãe.
Como assim, inconsistência? Moça, o nome da minha mãe tem sido Mirian desde que eu nasci, e olha que faz tempo. A senhorita está me dizendo que vivi uma mentira por todas essas décadas? Que houve troca de bebês? Que a minha mãe é outra?
Já ia ligar para a minha analista freudiana quando a supervisora esclareceu: na CNH, o nome da tua mãe aparece como Mirian. Nos arquivos da identificação, ela é Miriam. É com N ou com M no final? Precisa corrigir.
Ainda bem que era coisa fácil, e fui logo corrigindo. Moça, o nome da minha mãe é assim como está na carteira de habilitação, com N no final, sempre foi. E no meu RG, tão velho e desbeiçado que nem sai mais de casa, está com N também. Não tem erro nenhum, pode tocar ficha.
Até parece que os desígnios da burocracia dependem da vontade do freguês. Minha palavra não valia nada para os funcionários do Centro de Formação de Condutores e, mais grave ainda, para o sistema informatizado do Detran. Eu não corrigiria o problema no fio do bigode – que, graças a deusa, não possuo. Tem que ir no Instituto Geral de Perícias, disse a moça.
E eu fui.
Se alguém pensou que bastaria apontar a inconsistência para o nome da minha mãe ser corrigido nas internas, na hora mesmo, pensou errado. Eu pensei errado. O funcionário do IGP, educadíssimo, me informou que seria preciso fazer um novo RG. O que demandava uma certidão de nascimento válida. Sabia que as certidões de nascimento valem apenas por noventa dias? Não deixa de ser estranho atualizar – por cinquenta e tantos reais – um documento que, literalmente, nasce com a gente. Estranho e lucrativo para os cartórios.
Outra dica do moço do IGP diante do meu desconsolo ao ver as centenas de pessoas que esperavam para fazer o RG na Azenha: é possível agendar o atendimento. Se você, como eu, sofre com longas esperas, vá em igp.rs.gov.br. E parta para o abraço.
Horário agendado, certidão de nascimento válida na mão, parecia que nada mais poderia me impedir de fazer o RG e, enfim, renovar a CNH. Mas o rapaz que me atendeu logo acabou com os meus sonhos.
— Existe uma inconsistência no nome da tua mãe ligada ao CPF. Precisa ir na Receita Federal.
Se um dia eu escrever um filme de terror, será sobre uma mulher perseguida pela burocracia. Já renovei a CNH sei lá quantas vezes, pago imposto de renda — e dezenas de outros — desde que me tornei economicamente independente. Como pode ter aparecido um erro em todos os meus documentos a essa altura do campeonato?
Ninguém soube explicar, mas serei justa: a Receita Federal resolveu o assunto por e-mail e em menos de 24 horas. Já o resto todo segue aguardando solução.
De toda essa história, fica apenas uma certeza: a culpa é da mãe. Minha analista freudiana que me aguarde.