Vim à Europa para fazer um trabalho, um documentário que conta só com vontade e nada de orçamento. Minha chegada foi pela sempre encantadora Paris, para encontrar o filho e o pessoal que vai dividir a aventura comigo. Daqui vamos adiante, uma senhora se aventurando pelos caminhos da vida.
O voo para cá teve os seus percalços. O primeiro deles, na saída de Porto Alegre, apresentou problemas na pressurização. A comandante achou melhor retornar e deu-se a volta dos que não foram, todos desembarcados e esperando realocação. Antes isso.
Já o voo internacional não teve uma turbulência sequer, não na parte de fora. Na de dentro, segue aqui um breve relato.
Entrando pelo longo corredor da classe econômica, me chamou a atenção um homem muito grande, espécie de Obelix sentado na poltrona do meio de uma das fileiras. Segui em frente pensando, minha Santa Protetora dos Voos Baratos, fazei com que meu lugar não seja ao lado dele. Mas é claro que era.
Pedi licença para entrar, eu que tenho mania de ir na janela para puxar meu computador e adiantar algum texto, quietinha no meu canto. Obelix levantou sem muita vontade, e juro: tinha pelo menos dois metros, tanto para cima quanto para os lados. Não se trata de gigantofobia ou gordofobia da minha parte, é que ele era realmente imenso.
Assim que sentei, soube que não levantaria pelas próximas 11 horas, banheiro e esticada de pernas totalmente descartados. Eu estava emparedada. Os lugares da classe econômica já são apertados e meu vizinho ainda ocupava pelo menos 25% do meu. Tudo isso eu entendia, dado o tamanho dele. Só o que não precisava era um hábito muito comum entre os homens, pelo visto, de todas as nacionalidades: sentar com as pernas escandalosamente abertas.
Foi assim que uma das coxas de Obelix, do tamanho do tórax de um pré-adolescente de 12 anos, veio parar na minha poltrona, cujo braço tinha sido erguido. Bem que tentei abaixá-lo, sem sucesso. Sem uma mínima separação ente nós, era como se ele e eu estivéssemos sentados em um sofá.
E ainda faltavam 11 horas para chegar ao destino.
Resumindo: o homem, que era búlgaro, romeno ou algo indecifrável assim, passou o tempo inteiro de pernas abertas, me jogando cada vez mais contra a parede do avião. Eu me sentia dentro de uma cápsula de calça jeans das de antes, sem stretch, daquelas que a gente tinha que deitar na cama e encolher a barriga para conseguir fechar.
Coloquei entre nós uma pasta que tinha levado com alguns trabalhos, para não encostar de todo nele. Não que tenha adiantado. Dormindo, ele se espraiou ainda mais. Mais tarde, como sempre se faz nessas horas, tirei o tênis em busca de um tiquinho de conforto. Mal tinha fechado os olhos e o pé de Obelix, sem sapato e sem meia, pousou em cima do meu. Pele contra pele. Escapei com muito custo, calcei o tênis e não consegui mais dormir.
Entenda que nada do que contei aqui aconteceu por assédio, mas por total incompatibilidade de tamanhos e pelo hábito deselegante de muitos de se sentarem com as pernas escancaradas em qualquer ocasião. A Mariliz Pereira Jorge, colunista da Folha de São Paulo, começou uma campanha contra essa prática no transporte público. Admiro a iniciativa, mas acho que é caso perdido.
Alguns dias depois, recordei a sensação do voo dentro de um metrô lotadaço, lata de sardinhas mesmo. Na nossa estação, meu filho tomou a frente, sério como a situação exigia: agora é pardon e simbora. Pardon, madam, pardon, monsieur.
Agora é simbora.