Presente na rotina da maioria dos brasileiros, o café para alguns é quase o motor para começar o dia. Mas muito além disso, o café é uma bebida repleta de significados. Está no café da manhã, no lanche da tarde, na reunião da firma, no encontro com os amigos, até na sobremesa.
“Aceita um café?”. Talvez essa seja uma das frase mais usadas para começar uma conversa. Cada xícara de café pode conter uma história diferente. Beber café é um ato milenar, com uma história repleta de altos e baixos ao longo dos séculos. Mal e mal se conhece a verdadeira origem do café. O que se sabe é que o universo dessa bebida é muito mais complexo do que a xícara apreciada em casa todo o dia. Além disso, atualmente o Brasil ocupa a posição de maior produtor e exportador do grão do mundo, e também está entre os maiores consumidores.
Por isso, preparamos um guia completo sobre essa bebida. Quais os tipos de café e de torra? Como escolher e comprar seu café ideal? Como preparar em casa em diferentes métodos de extração? E para nos ajudar nesse conhecimento ninguém melhor do que Isabela Raposeiras, barista carioca considerada pioneira no assunto, que comanda a famosa Coffee Lab em São Paulo e nos deu uma aula na live no nosso Instagram @destemperados. Então, serve uma xícara e presta atenção!
NA HORA DE ESCOLHER O CAFÉ:
Saber analisar os grãos, ler o rótulo e escolher o produto certo e do seu gosto favorito são alguns dos segredos para ter sempre prazer na hora de apreciar seu cafézinho. O melhor café, com mais características sensoriais, é aquele moído na hora. Por isso, na cafeteria, verifique que os grãos passados no moedor sejam especificamente para o café que você pediu. Caso você não tenha moedor em casa, a melhor dica é escolher grãos especiais em uma boa loja e leve-os para casa recém moídos. No último dos casos, preste atenção na hora da escolha do seu café já moído no mercado.
De forma geral, os cafés são comumente constituídos por grãos de duas espécies:
Arábica, com mais aroma e sabor;
Robusta, com maior teor de cafeína e amargor.
Além disso, os grãos são classificados em 4 categorias de qualidade: Tradicional, Superior, Gourmet e Especial. As primeiras três são feitas pela Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), enquanto a última, pela Specialty Coffee Association (SCA):
Tradicional: também chamado de Extra Forte, apresenta qualidade regular: até 20% de grãos defeituosos e torra excessiva. Ou seja, normalmente o consumidor remete extraforte a um café potente, mas na verdade é um café queimado. Por ser amargo, geralmente acrescentam açúcar.
Superior: qualidade acima dos tradicionais, que aceita até 10% de grãos defeituosos. São fáceis de encontrar no mercado. Uma semelhança para o tradicional é que ambos permitem blends, ou seja, a mistura entre grãos arábica e robusta.
Gourmet: são os cafés compostos por grãos 100% arábica, sem defeitos. Composição que também é exigida nos especiais. Dessa forma, os processos de seleção de grãos são mais criteriosos e os sabores e aromas são mais elaborados.
Especial: os requisitos para o café ser especial são: ser 100% arábica, ter origem controlada, possuir um controle de qualidade e armazenagem que registrem temperatura, umidade e níveis de defeito, não possuir defeitos (grãos quebrados, ardidos, em concha, broncados, verdes ou pretos.
O café ser 100% arábica já pressupõe um processo criterioso de seleção de grãos, no entanto, sempre é bom conferir antes de escolher. Para isso, basta procurar na embalagem o selo de pureza, que garante que o pó não contenha nenhum traço de impurezas, como galhos, folhas, ou qualquer tipo de adulteração e mistura. As dicas para comprar um café especial são: verificar a informação de 100% arábica, procurar no rótulo o nome do produtor, atentar com a data de fabricação (o ideal é consumir em até 90 dias após a torra), e verificar as notas sensoriais.
As notas sensoriais são:
Fragrância: percepção olfativa causada pelos gases liberados no café torrado e moído;
Aroma: percepção olfativa causada pelos gases liberados pelo café torrado e moído depois de imersos em água;
Sabor: soma de gostos e aromas do café;
Doçura: qualidade ou gosto doce do café;
Acidez: é a sensação seca e marcante percebida nos lados da língua;
Corpo: sensação causada na boca pela persistência no paladar; exemplo: um café “pesado” caracteriza uma bebida encorpada;
Sabor Residual: é a sensação percebida após o café ser tomado.
No entanto, assim como as uvas para o vinho, existem variedades de café arábica. Nesse ponto, o consumidor escolha o mais agradável ao paladar. Os mais encontrados no Brasil são:
Café Bourbon: um dos mais populares. Os grãos possuem sabor intenso e um fundo de chocolate, sendo levemente adocicado e pouco ácido;
Café Catuaí: leve e com uma doçura superior às demais qualidades. Por possuir uma intensidade média é uma boa indicação para quem está começando a beber café sem adição de açúcar;
Café Novo Mundo: o grão mais neutro absorve bastante das características da terra e das plantas do entorno ao cafeeiro. Por isso é excelente para quem gosta de sabores frutados.
Outro ponto que devemos levar em consideração na hora de escolher o café é em relação ao solo e altitude onde o grão foi cultivado. O fruto é influenciado pela região onde é plantado, pois absorve características do solo e de plantas próximas; e pela altitude, por causa das mudanças de temperatura e pressão do ar em diferentes pontos. Quanto mais alto, mais forte e marcante será o sabor.
O último ponto que devemos observar é o processo de torra do café. Nada mais é do que o processo de calor que transforma o café verde em torrado. É exatamente nesse momento em que intensificam as principais características dos cafés especiais: aromas, grau de acidez, amargor e corpo. Para o consumidor final, o resultado da torra pode ser observado na coloração. Uma torra média destaca o sabor e aroma naturais do café, mantendo corpo e acidez suavizadas. Já a torra mais escura confere ao café menos aroma e mais sabor amargo, caso dos cafés tradicionais.
NA HORA DE PREPARAR EM CASA:
Mesmo que o método de preparo não influencie nas qualidades do café em si, ele é capaz de destacar algumas características na bebida! Por isso vamos aos tipos de extração:
COADO NO PAPEL - o famoso café passado, o mais popular aqui no Brasil. Criado em 1908 por Melitta Bentz, ganhou a forma que conhecemos hoje apenas em 1932. Utiliza-se o filtro de papel para a preparação do café. Como o espaço para saída é pequeno, a água fica em contato por mais tempo com o café em pó. Resultando em um café mais forte. Outra alternativa é usar o coador de pano, o queridinho de grande parte da população.
FRENCH PRESS - nada mais é do que um preparo por infusão com a água.O pó de café é colocado junto à água quente num recipiente. O êmbolo de pressão será o responsável por misturar os dois e, depois, separá-los. Permite a passagem dos óleos do café e produz uma bebida rica em corpo e sabor. A técnica da prensa francesa é semelhante ao do Aeropress.
HARIO V60 - criado no Japão, é um dos que ganha cada vez mais espaço hoje, inclusive no Brasil. É um recurso moderno que remete ao clássico café filtrado. Sua técnica é simples: um coador feito em cerâmica ou vidro que mantém a água com temperatura elevada durante mais tempo. Assim, a bebida desce de maneira mais uniforme. O resultado desse design é um café leve, limpo, de médio corpo e sem resíduos.
MOKA - tradicional cafeteira italiana criada nos anos 30. Assim como no sifão, duas câmaras separadas por um filtro e bastante pressão são utilizadas na preparação do café. A água que está na parte inferior é fervida, passa pelo meio, onde está o café, e em seguida é filtrada e chega pronta à parte superior. É para quem gosta do café mais concentrado. Para Raposeiras, é o melhor método de extração para misturar com leite.
AEROPRESS - Técnica que foi desenvolvida por um criador de brinquedos dos Estados Unidos. O funcionamento se assemelha ao de uma seringa: em uma das peças, semelhante a um tubo, é colocado o café junto a um coador de papel; em seguida é despejada a água quente; logo um êmbolo é inserido e a pressão é feita na peça anterior. A textura final é semelhante de um coado comum, mas os sabores e o aroma se assemelham um pouco ao dos espressos.
ESPRESSO- Vêm do termo italiano referente a ser rápido. E é exatamente que o espresso deve ser: aquele café vapt vupt. Que inclusive pode estar no formato de cápsulas. É um café forte e de sabor marcante.
NA HORA DE ARMAZENAR:
1. Tente sempre manter o café longe da luz, para não acelerar seu processo de oxidação,
2. Depois de aberta a embalagem, transfira o café para um pote de vidro com vedação segura,
3. Antes de passar o café, escaldar o filtro de papel é uma dica para não consumir o sabor residual que o papel passa para a bebida;
NA HORA DE HARMONIZAR:
Para Raposeiras, o salgado é o melhor acompanhamento para o café. Já que esse levanta o sabor da bebida, sem roubar o sabor (como alguns doces fortes). Queijo, empada, polvilho são alguns dos preferidos dela. De doce, o clássico bolo vai muito bem. Além disso, o bolo é rápido e leva baixo custo para a cafeteria.
NA HORA DE ABRIR UMA CAFETERIA:
Muito mais do que os produtos, precisam oferecer hospitalidade. Esse serviço importa quase mais do que o cardápio. Pode ter uma margem de lucro maior que a de restaurante, por causa do produto oferecido. No entanto, precisa vender alta quantidade para realmente ter certo lucro líquido. Com 11 anos no mercado, a CoffeeLab, por exemplo, é tida como um modelo de sucesso por ter de 20 a 30% de lucro líquido.
Uma cafeteria de verdade é a que as pessoas vão pelo café. Portanto, o cardápio deve ser reduzido e inesquecível. O Brasil, embora seja o maior produtor e um dos maiores consumidores de café do mundo, não tem a cultura de cafeteria. Raposeiras chama de síndrome da quiche com salada aquelas cafeterias que tentam se assemelhar a um bistrô, oferecendo várias comidinhas terceirizadas, já que não tem cozinha. Esse proprietário tem a ideia de que vai deixar assim o ticket médio maior, mas na verdade só vai ser um arrasto financeiro maior. Para ela, o conceito deve ser o mais específico possível. A aposta de café é inteiramente ao especial, que é um produto novo, com 40 anos no mundo e 20 no Brasil. Afinal, é um café que agrega valor ao local por contar própria sua história, abrangendo o consumo consciente. Já que a cafeteria deve ter responsabilidade social e econômica a preços justos. Para a volta das cafeterias pós pandemia, além do uso de máscara e de mesas distanciadas, é o delivery e a venda online.
"O café abusou do produtor por séculos, por isso agora é a hora de reconstruir sua história" - Isabela Raposeiras