— Enquanto o meu facão estiver encravado aqui aos teus pés, nem eu nem você haveremos de morrer... Nem de morte matada... Nem de morte morrida! — profere o jovem José Inocêncio (Leonardo Vieira) ao jequitibá-rei no capítulo de estreia de Renascer, em 1993.
O juramento se tornou um dos momentos mais célebres da teledramaturgia brasileira, e a novela de Benedito Ruy Barbosa enraizou-se como um dos clássicos nacionais. Agora, 31 anos depois, ganha uma nova versão, pelas mãos de Bruno Luperi, neto do criador da obra original, com estreia marcada para esta segunda-feira (22), logo depois do Jornal Nacional, na RBS TV.
A cena será refeita por Humberto Carrão, que dará vida ao protagonista na primeira fase do folhetim. Para entregar o momento com a grandiosidade que ele merece, a equipe da novela levou o ator até o Parque Estadual dos Três Picos, em Cachoeira de Macacu, município do Rio de Janeiro. Por lá, o artista se ajoelhou aos pés de um jequitibá milenar, com quase 40 metros de altura.
— Foi muito poderoso. É uma cena que está no coração das pessoas, que sabem de cor as falas. É uma grande responsabilidade, mas com alegria, com vontade de homenagear os meus colegas de ofício, o Leonardo Vieira, que fizeram a primeira versão, que emocionou muito as pessoas — contou Carrão à reportagem em evento promovido pela TV Globo, no Rio de Janeiro, na última quarta-feira (17).
Essa reconstituição, que promete ser fidedigna, da emblemática sequência da promessa de José Inocêncio aos pés da árvore em Renascer pode até parecer um retorno ao passado, dando a entender que a obra se manterá totalmente fiel ao que foi feito antes. Mas não é bem assim. Bruno Luperi, responsável pelo remake de outra obra escrita por seu avô, Pantanal (1990 na versão original e 2022 na refilmagem), garantiu modernizações:
— Essa é uma versão renascida de Renascer. Ela preserva a trama central, o que é essencial, o espírito dessa obra, mas aquilo que é necessário ser repaginado está sendo retrabalhado à luz de um novo tempo, criando novas discussões. Existe a diversidade que a novela precisa ter, de assuntos, com novas pautas que há 30 anos não existiam, bem como novas reflexões sobre temas antigos, que foi uma coisa na qual a gente foi muito feliz em Pantanal.
Novos temas
Tendo Gustavo Fernandez como diretor e a missão de, mais uma vez, homenagear o seu avô em vida, Luperi quer fazer do remake de Renascer uma obra épica, que consiga engajar quem já é noveleiro, mas, também, que atraia novos públicos. E, por isso, pretende colocar uma perspectiva em que seja possível enxergar questões que não foram percebidas na década de 1990.
— Os desafios de fazer uma novela permanecem os mesmos desde que o folhetim surgiu. O que acontece e que é muito característico do nosso tempo é que a sociedade mudou muito, a novela é que permanece muito igual. A sociedade urge por questões que não urgia 30 anos atrás — detalhou o escritor.
Dentro deste cenário, por exemplo, Marcos Palmeira, que vive o protagonista José Inocêncio na segunda fase — receita que deu certo em Pantanal —, contou à reportagem que a realidade da Região Cacaueira, no sul da Bahia, onde se passa Renascer, proporciona para a trama avançar dentro das discussões atuais, como as mudanças climáticas:
— Vai ter muito esse olhar mais agroecológico para a produção de cacau, como uma solução. Você tem que devolver para a natureza aquilo que você colhe. O que a gente está vivendo hoje, esse aquecimento global, é muito fruto disso. A gente ainda não acordou para este momento e é por isso que estamos todos neste calor, em que 40°C, antigamente, era calamidade pública e, agora, ninguém mais está se incomodando, nem com 50°C.
Também no universo das pautas da sociedade de 2024, há o caso de Buba, vivida por Maria Luísa Mendonça na primeira versão e que, agora, terá como intérprete Gabriela Medeiros. Se no passado a personagem era intersexo — à época, o termo hermafrodita ainda era utilizado —, ela retorna como uma mulher trans, tal qual a atriz que lhe dá vida.
— Representar a Buba é ampliar a visão das pessoas, principalmente do público brasileiro, e mostrar esta mulher em um lugar de poder, de que ela pode estar ocupando estes espaços. E, também, estar representando mulheres como eu, uma mulher trans. Para mim, isto é um ato simbólico muito importante para os dias atuais — salientou Gabriela.
Estes temas, que prometem ser colocados para discussão junto ao público, permeiam a história clássica, que ainda se faz presente na realidade brasileira. Matheus Nachtergaele, que vive Norberto na produção, enalteceu a importância desta mescla de assuntos e que, na sua visão, são abordados com responsabilidade dentro de uma trama atemporal. O ator, ainda, fez um interessante resumo sobre o que o público encontrará ao longo dos próximos meses de novela:
— Tem muitas questões bonitas em Renascer, sobre o patriarcado, sobre o quanto a dor de um amor perdido pode macular uma relação familiar e, também, sobre a vaidade humana, como você prefere não perder uma mulher, o que se torna muito mais importante do que você ficar feliz pelo seu filho amar alguém. Eu acho que isso tudo vai mexer com a gente. As grandes obras se prestam e desejam adaptações aos novos tempos e os temas importantes, se realmente forem importantes, ficarão.
A trama
Com temas importantes mantidos e novos inseridos para a atualização da saga, Renascer acompanha a jornada de José Inocêncio (Carrão/Palmeira) que, após o pacto aos pés do jequitibá-rei, fica conhecido como uma figura mítica ao se tornar o fazendeiro mais bem-sucedido da região por seus êxitos como produtor de cacau.
Ainda jovem, ele conquista Maria Santa (Duda Santos) e a arrebatadora paixão entre eles gera quatro filhos: José Augusto (Renan Monteiro), José Bento (Marcello Melo Jr), José Venâncio (Rodrigo Simas) e o caçula, João Pedro (Juan Paiva), o único que não teve a oportunidade de conviver com a mãe, que morre após o parto. A fatalidade provoca a revolta em José Inocêncio, que culpa João Pedro pela morte de seu grande amor.
A indiferença e a mágoa marcam a relação entre o patriarca e João Pedro ao longo da vida. Como se não bastasse o passado, anos mais tarde, a chegada da misteriosa Mariana (Theresa Fonseca) colocará à prova todas essas emoções, uma vez que pai e filho se apaixonam pela mesma mulher. A situação faz renascer sentimentos que estavam adormecidos ou que até então eram desconhecidos para ambos.
Envolta em mistérios, lendas, vingança, violência e, também, paixões, Renascer traz a receita que o brasileiro noveleiro aprendeu a apreciar. E, tal qual a promessa feita pelo protagonista, Luperi garante ao público que, de sua parte e da equipe envolvida no projeto, a produção vem para ser tão grandiosa quanto as séries que fazem sucesso hoje em dia, buscando entregar bons episódios diariamente:
— Espero que abracem a novela assim com Pantanal. Aqui deste lado, fazemos um trabalho sério, respeitoso, de pesquisa, trazendo para discussão temas importantes e delicados da sociedade, mas zero maniqueísta, muito humana, sem querer dizer o que é certo ou errado. Apresentamos as situações e colocamos para discussão da sociedade.