Em qual cidade o Homem-Aranha, a Penélope Charmosa, o Flash, a Sakura Card Captor e Jesus Cristo se reúnem? Bem, este encontro pode não ser tão comum assim, mas, neste final de semana, ele ocorreu em Canoas. E foi ainda mais diversificado, contando com muitos outros personagens que invadiram a ComicCon RS (CCRS), realizada na Universidade LaSalle, entre sábado (3) e domingo (4).
Pelos corredores da instituição de ensino transformada em epicentro de um multiverso, quadrinistas jovens e experientes expuseram os seus trabalhos enquanto celebravam a alta procura pelos gibis e outros produtos artísticos, bem como pelos painéis oferecidos nesta 11ª edição do evento — o público compareceu em peso para prestigiar o evento, surpreendendo até mesmo a organização.
— Por enquanto, não temos os números consolidados deste domingo, mas ontem batemos mais de 3,5 mil participantes. E isso quer dizer que, neste ano, certamente vamos ultrapassar os números do ano passado, em que conseguimos mais ou menos 4,9 mil pessoas. Superou todas as nossas expectativas — enfatiza o criador da CCRS, o jornalista Émerson Vasconcelos.
Ainda com foco em quadrinhos, mas mais aberta às outras vertentes da cultura pop, a convenção deste ano teve como um dos seus pontos altos a participação do dublador Manolo Rey, na tarde de sábado. A presença do artista carioca, responsável por dar voz a personagens como Sonic e Luigi, de Super Mario Bros., lotou o auditório da instituição, colocando 400 pessoas no espaço para ouvir o que ele tinha para falar.
— Depois, o Manolo foi atender todo mundo que quis tirar foto com ele. Se formou uma fila imensa e ele quase se atrasou, teve que sair correndo para o aeroporto. Simpático demais, fez toda a diferença no evento— complementa Vasconcelos.
Neste domingo, o paulista Leonardo Romero, desenhista de publicações da Marvel, como Capitão América, Doutor Estranho e Gaviã Arqueira, pela qual foi indicado ao Prêmio Eisner, e que agora está atuando na DC Comics, também foi uma atração que movimentou o público, tanto no auditório quanto em sua mesa no Artist's Alley.
Outro destaque veio de ainda mais longe: Luiza de Souza, a Ilustralu, artista de 30 anos, de Natal, no Rio Grande do Norte, que veio ao Estado a convite da CCRS. A autora da premiada publicação Arlindo, disponível tanto digitalmente quanto em formato físico, se disse encantada com o Rio Grande do Sul:
— Gostei muito da feira, a receptividade das pessoas foi muito legal. Muita gente trouxe o Arlindo para autografar, e os que eu trouxe de Natal acabaram ontem de tarde. Isso é muito bacana, porque é um quadrinho que se passa no interior do Rio Grande do Norte e aí, do outro lado do país, tem gente que se identifica e se enxerga na história.
Feliz em ver uma grande convenção sendo realizada fora do eixo Rio-São Paulo, Luiza aponta que é importante a descentralização da cultura. E, também, celebra por estar entre os gaúchos por um motivo bem específico:
— O churrasco é bom demais. Ontem eu comi muito. Acho que comi mais carne ontem do que em todos os últimos meses (risos).
Artistas locais
O quadrinista Paulo Ricardo Kobielski, 59 anos, do Coletivo Alvoradense de Quadrinhos (CAQ), que marca presença desde a primeira edição da convenção, comemorou os resultados da CCRS, salientando que apenas no sábado já conseguiu cobrir os custos de estar no evento e, no domingo, trabalhou pelo lucro. Para ele, este tipo de retorno do público incentiva ainda mais os trabalhadores independentes.
— A ComicCon RS é o maior evento de quadrinhos do Rio Grande do Sul e, para nós, é sempre uma satisfação estar aqui, mostrar o trabalho do coletivo com um alcance desta magnitude. É de fundamental importância esta troca com pessoas de diferentes locais — aponta Kobielski.
Fenômeno nas redes sociais, o gaúcho de São Leopoldo Rafael Fritzen, 27 anos, responsável pelas tirinhas Ângulo de Vista, retornou para a sua segunda edição da CCRS — a primeira havia sido no ano passado. E ele gostou da experiência, pois acredita que a proximidade com o público é mais intensa, uma vez que o seu trabalho é quase totalmente digital.
— Nesses eventos, a gente consegue olhar para a cara das pessoas que consomem o nosso conteúdo. O carinho é muito grande e é o que dá o gás para que eu continue produzindo. Fora isso, ainda tem contato com outros artistas. É bem gratificante, pois fiz muitos amigos. Já na questão das vendas, como eu moro perto, foi mais tranquilo. Agora, se eu viesse de mais longe, ia precisar vender mais.
Família
Tatiane Pires, 36 anos, desenvolvedora de sistemas, e Cassiano Dal Pizzol, 45, funcionário público, desfilavam os peitos estufados pelos corredores da CCRS. Ambos tinham motivo para isso: ela vestia o uniforme de Supergirl e ele, o de Superman. A dupla de namorados é de Porto Alegre e adora ir a convenções como esta que ocorreu em Canoas. Por lá, eles sentem a liberdade para curtirem da forma que quiserem e se aproximarem de quem gosta das mesmas coisas.
— Eu gosto de ir de cosplay nos eventos, porque é um lugar assim para conhecer as pessoas, tirar fotos, interagir. E o cosplay é o negócio para a gente poder ser um pouquinho os nossos heróis, pelo menos brincar de ser o nosso personagem favorito — aponta Tatiana, a Supergirl.
Já o Superman Cassiano enfatiza o que mais gosta quando está trajado como o seu personagem favorito:
— Para ser sincero, a parte que eu acho mais divertida é a interação com a criançada, ver sempre aquele sorriso, até nas crianças mais velhas dá aquele brilhinho dizendo "olha só, é o Superman". Eu não sou o Superman, eu não tenho um físico de Supeman, eu não pareço nada com ele, entretanto, as pessoas ignoram isso quando se aproximam de mim e pedem uma foto. E isso eu acho fantástico. Eu sou quem eu quero ser.
A mãe Elaine de Matos, inspetora de qualidade de 43 anos, a filha Fernanda de Matos, 15, estudante, e a amiga da jovem, Camila Santos, 15, também estudante, se divertiam pelos corredores da CCRS. O trio de Canoas carregava sacolas cheias de compras, que iam de mangás a um cubo mágico 4x4 — mais complexo que o convencional.
— O cubo mágico é para a criança grande (risos) — explica Elaine, alegando que o cubo tradicional "já não tem mais graça".
Sobre o evento, Fernanda diz que está especialmente feliz com essa edição, por ter podido visitar ao lado de sua mãe:
— Ela veio para ver as coisas que eu gosto. E também é bom para alguns artistas independentes.
— Dá a oportunidade para que os artistas possam mostrar mais seu trabalho, e vender seus produtos também — complementa Camila.
Elaine finaliza afirmando que, de fato, tirou o domingo para visitar um local que é importante para Fernanda e que acha que isso é essencial para a relação entre mãe e filha:
— Querendo ou não, ela se obriga a fazer parte da minha vida. Ela tem a vida dela, e vir aqui hoje é conhecer um pouquinho do mundo que ela gosta. Porque eu quero que, quando ela falar, eu entenda do que ela está falando.
Foi neste clima familiar e de celebração que a CCRS 2023 fechou o último dia de sua 11ª edição, já projetando expandir ainda mais este sentimento no ano que vem. A data da próxima convenção ainda não está definida, mas o que se pode confirmar é que a cultura pop teve dois dias de festa em Canoas. Os sorrisos de todos os presentes não deixam negar isso.