Estamos acostumados a ver intérpretes de Libras de preto, cabelos presos, discretos no cantinho das telas. Mas esse não é o caso de Rita D'Libra. Gaúcha de Canoas, ela é a primeira drag queen brasileira a aparecer sinalizando toda montada com peruca, maquiagem e joias extravagantes. E tem feito sucesso na internet.
Notada por Xuxa, Gloria Groove, Karen Kardasha e outros nomes conhecidos da cena LGBT+, Rita já soma 29 mil seguidores só no Instagram. No TikTok, são mais de 36 mil fãs que acompanham seus conteúdos, nos quais ela ensina expressões em Libras e traduz hits pop.
Rita é a persona criada pelo pedagogo Lenon Tarragô, de 31 anos. Desde 2009, ele é envolvido com teatro, dança e música, e desde 2012 trabalha com pessoas com deficiência. Da união desses dois mundos surgiu a drag queen.
O início da história, porém, veio de uma inquietação. Lenon notava que, no grupo de teatro do qual participava, a inclusão se limitava a pessoas com deficiência, enquanto as questões LGBT+ ainda eram vistas com preconceito.
— No momento em que eu falava que era um rapaz gay, eles ficavam: "Ah, não é legal você falar isso". Era estranho. Eu não podia dizer que eu tinha relacionamento, eu tinha que falar que namorava uma guria pros alunos. Depois que eu troquei de espaço, comecei a me aceitar.
Rita D'Libra nasceu em um show de calouros promovido pela universidade na qual Lenon estudava. O nome, conta, uniu suas referências — Rita Lee, Rita Cadillac e Rita von Hunty — com a língua de sinais. No início, a ideia era que a Libras fosse secundária à performance.
— Eu achei que era desrespeitoso. Pensei: "Será que é legal?". E na época fui perguntar para a comunidade surda, porque não tinha drag que sinalizava. Depois de um tempo, fiquei com menos medo de sinalizar e conheci artistas de São Paulo e do Rio de Janeiro que faziam arte drag e me disseram: "Vai!".
Uma dessas pessoas é a drag queen carioca Kitana Dreams, que é surda e faz tutoriais de maquiagem na web, também se comunicando com sinais. Com o apoio dela e de outros LGBT+s, Rita conseguiu a coragem de que precisava para começar a apostar em conteúdos nas redes sociais.
A Rita é esperança para outras pessoas, da mesma forma que teve gente que foi esperança para mim.
RITA D'LIBRA
Intérprete de Libras
Suas postagens, conta, são adaptadas conforme os públicos de cada plataforma. No Instagram, Rita costuma publicar vídeos direcionados à comunidade surda, como traduções de músicas. Já no TikTok, sua especialidade é ensinar à população em geral alguns sinais de Libras.
Em meio à pandemia, isso deu a Lenon mais do que um retorno financeiro: um propósito de vida.
— Comecei a ter contato com outras pessoas, a partir da Rita, que valorizavam muito o meu trabalho. Então eu via que aquilo era importante, porque eu estava sendo referência para alguém — conta. — Tinha gente que mesmo eu não sorrindo na câmera, podendo estar mal ali por trás, no momento em que eu falava com elas, elas se sentiam bem, representadas. A Rita é esperança para outras pessoas, da mesma forma que teve gente que foi esperança para mim.
Outro objetivo de Rita, conta Lenon, é quebrar os estigmas sociais envolvendo a arte drag.
— Eu queria mostrar para as pessoas que era possível trabalhar assim. Existem vários rótulos de que quem trabalha na noite gosta de fuzarca, que não é profissional... E não é isso. Eu quero provar o contrario: existem sim todos os públicos, todo tipo de pessoa.
Com o tempo, o sucesso veio. Rita foi convidada para traduzir uma live de Inês Brasil e, dali em diante, sua carreira decolou. Ela frequentemente traduz eventos em outras capitais do país e já está sendo procurada por publicitários.
Em abril, Rita fará a interpretação do show de Gloria Groove em Porto Alegre. Esse evento está cercado de expectativas, pois Lenon pediu à produção para convidar pessoas com deficiência, em contrapartida por sua participação.
— O evento todo é acessível? Não, não é o evento todo. Mas eu quero que eles saibam que vai ter o acompanhamento ali de uma pessoa que vai estar interpretando o conteúdo. Que eles vão estar lá curtindo junto com a gente. Isso sim é o conceito de inclusão — antecipa.