Por ocasião dos 700 anos de morte da Dante Alighieri (1265-1321), os versos do grande poeta serão ouvidos, no original em italiano, direto do palco do Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº), em Porto Alegre. É a estreia de A Paixão de Dante, obra do compositor Vagner Cunha para coro, solistas e orquestra.
O público poderá assistir às récitas presencialmente nesta terça-feira (14), na sexta (17) e no sábado (18), às 20h, seguindo protocolos sanitários (o teatro estará limitado a 30% da capacidade, entre outras medidas), ou online, somente nesta terça, pelo site apaixaodedante.com. Os ingressos custam de R$ 40 a R$ 160 (presenciais) ou R$ 33 (online), à venda no site sympla.com.br. Também haverá venda duas horas antes das récitas, na chapelaria do teatro. As apresentações nos dois formatos terão legendas em português, e a duração estimada é de 150 minutos, com dois intervalos.
Os solistas do concerto serão o tenor Flávio Leite (no papel de Dante), a soprano Paola Bess (Beatriz) e o barítono Carlos Rodriguez (Virgílio). As sopranos convidadas Carine Fick e Carla Knijnik serão as ninfas, e Elisa Lopes representará Francesca. Haverá, ainda, a participação de mais de 40 cantores do Coral Madrigal Presto. Já a orquestra, com músicos provenientes de diferentes conjuntos, terá regência de Antonio Borges-Cunha, pai do compositor.
Os versos de A Divina Comédia musicados por Vagner em A Paixão de Dante foram selecionados pelo escritor José Clemente Pozenato, que lançará também nesta terça-feira, em um projeto correlacionado, uma tradução inédita da primeira parte da obra-prima do poeta. A Divina Comédia: Inferno (Editora Fundação Antonio Meneghetti, 236 páginas, R$ 33), que chega em edição bilíngue, terá sessão de autógrafos das 18h30min às 19h45min, no Foyer Nobre do Theatro São Pedro.
Leia, a seguir, entrevistas com o compositor e com o tradutor:
O CONCERTO
Vagner Cunha: "Grande parte do material que compus está guardada para uma sequência"
Do ponto de vista musical, você já compôs obras que podem ser consideradas mais herméticas, como o balé Mahavidyas (2010), e outras mais acessíveis ou melodiosas, como a ópera O Quatrilho (2018). Como descreveria A Paixão de Dante?
Eu não descreveria esses trabalhos como herméticos ou melodiosos. Na composição da ópera O Quatrilho, por exemplo, o texto e minha perspectiva de dramaturgia me estimularam a encontrar terrenos que eu ainda não habitara. Frequentemente eu faço uma analogia à queda de dominós. Eu tenho inúmeras peças disponíveis e cada uma dessas acessa uma determinada sequência. A questão crucial da composição, para mim, é: quando começar? Começar significa derrubar uma determinada peça. Depois disso, preciso me divertir com as consequências.
Formalmente, como definiria esta composição?
Realmente não sei definir, por isso surgiu esse título. O que poderá se aproximar mais da forma escolhida é a cantata. Nesse caso, seria, então, um ciclo de três cantatas para coro, solistas e orquestra.
Pretende continuar se dedicando à obra de Dante em suas próximas composições?
Eu não tenho muita saída em relação ao Dante. Grande parte do material que compus está guardada para uma sequência do projeto. Foi muito sofrido deixar coisas de lado, mas, assim como numa obra literária, não se pode contar todas as coisas bonitas que sabemos de uma só vez.
Como ocorreu em outras apresentações de composições suas, a regência será de Antonio Borges-Cunha, seu pai. Você procurou dialogar com ele sobre a interpretação da partitura ou preferiu não participar desse processo?
Dialogo com meu pai sempre. Dialoguei muito antes de começar a composição e dialogo muito agora durante a preparação. Ele é uma referência importante em inúmeros aspectos relacionados à arte.
Por que Dante Alighieri é um autor imprescindível?
Dante se tornou imprescindível para mim no último ano. Acredito que A Divina Comédia deva ser um dos livros que as pessoas mais mentem que leram. Eu li quatro vezes e não consigo ainda dizer que conheço. Cada leitura foi uma descoberta. Trata-se de uma obra de arte. A verdadeira obra de arte é algo que ninguém pode dizer que conhece, sabe? Cada retorno a ela mostra aspectos nunca antes vistos e sentidos.
O LIVRO
José Clemente Pozenato: "Ainda neste ano devo concluir a tradução integral da obra"
Como você lidou com a angústia da influência de traduções anteriores de A Divina Comédia, como a de Cristiano Martins e a de Italo Eugenio Mauro?
Além dessas duas, há várias outras traduções que eu conferi. Somando as feitas de cada um dos lados do Atlântico, devo ter compulsado oito traduções diferentes. Lendo cada uma delas, o que me vinha à mente era o seguinte: como é que eu traduziria este verso, esta sequência, para ficar com um sabor mais semelhante ao do original? Porque, para mim, traduzir não é só transpor para palavras de outra língua: é preciso transpor "o que o poeta quis dizer" com aquele verso, aquela cena. Então eu não senti angústia nenhuma. Senti foi satisfação em ter conseguido o que pretendia: uma versão que trouxesse ao leitor de hoje, com um pouco mais de fidelidade, o que Dante quis dizer há mais de setecentos anos, e numa linguagem mais próxima da criada pela poesia moderna. Nesse sentido, usei o aprendizado que fiz com poetas que foram meus mestres: Manuel Bandeira, Drummond de Andrade, Jorge de Lima, Mario Quintana. Todos eles trouxeram a linguagem da poesia para o nível coloquial.
Quais foram as maiores dificuldades durante o processo de tradução?
Como eu decidi que iria respeitar a "engenharia" de construção de A Divina Comédia, na forma do verso e no esquema das rimas, essa foi a maior dificuldade enfrentada. Na língua portuguesa não há tanta variedade como na língua italiana na sonoridade das palavras. Não por acaso a tendência geral tem sido a de usar o italiano como a língua padrão da ópera.
Inferno é a mais emblemática das três partes de A Divina Comédia. Por quê?
Inferno é a parte em que a narrativa de Dante tem um tom mais dramático, com muita variação de cenários e de cenas quase teatrais, o que tende a atrair mais a atenção dos leitores. Purgatório tem um tom mais lírico, de trazer à tona emoções e sentimentos dos personagens, como a cena em que Dante encontra um amigo dele que havia composto música para seus poemas. Já no Paraíso a construção tem um caráter bem mais conceitual: há nele uma sequência de "aulas" de filosofia e de teologia, dadas por Tomás de Aquino, pelo Rei Salomão e até mesmo por Beatriz, que se dedica a explicar ao amado Dante os mistérios que ele não consegue entender.
Pretende traduzir as demais partes da A Divina Comédia?
Não apenas pretendo como já avancei na tradução: concluí o Purgatório e estou na metade do Paraíso. Isso significa que ainda neste ano devo concluir a tradução integral da obra.
Por que Dante Alighieri é um autor imprescindível?
Há poetas que são faróis permanentes para a criação poética. Cito Homero, autor da Odisseia, que já completou quase três milênios. Lembro Virgílio, autor da Eneida, que tem dois milênios. O sétimo centenário da morte de Dante Alighieri é excelente oportunidade para dar visibilidade a mais este farol que tem orientado muitos barcos de poetas navegantes. E isso sem falar no conteúdo humanístico presente em todos eles: o da necessidade do ser humano estar sempre em busca de novas descobertas, "em países de outros vinhos", como diz um verso de Jorge de Lima, também ele um devedor de Homero, de Virgílio, de Dante e, mais perto de nossa língua, de Camões.