Em junho de 2019, um dos maiores artistas da cultura gaúcha, Luiz Carlos Borges, deu um susto nos fãs. Quando voltava de uma viagem, após fazer um show, começou a sentir-se mal e seu temor se confirmou: sofreu o segundo aneurisma de aorta de sua vida. Após quase três meses internado, o gaiteiro, 66 anos, mostrou que tem coração forte, se recuperou e prepara sua volta aos palcos, acompanhado da eterna parceira, a gaita.
No dia 29 deste mês, no Teatro Renascença, Borges apresenta o espetáculo O que o Coração me Exige – batizado especialmente por conta dos perrengues que passou –, que marca sua volta aos palcos.
Nesta entrevista, ele adianta detalhes do novo show mas acima de tudo, fala sobre o período em que passou afastado e da batalha que travou para que, neste momento, possa mostrar que seu coração está mais forte do que nunca.
Reencontro caloroso com o público
No show de sua volta aos palcos, Luiz Carlos Borges decidiu não chamar convidados especiais, para ficar mais perto do público. No palco, estará acompanhado dos músicos Leandro Rodrigues (violão aço e acordeão), Neuro Júnior (violão sete cordas) e Yuri Menezes (violão seis cordas). Enquanto o dia não chega, ele ensaia, em média,três vezes por semana com os parceiros.
— Estamos ensaiando muito para dar essa liberdade que a gente precisa em qualquer show — afirma o gaiteiro, 66 anos, 58 de carreira.
No show batizado, não por acaso, de O que o Coração me Exige, Borges fará um passeio por sua exitosa trajetória com canções feitas em parceria com grandes nomes do nativismo – como Vinícius Brum, Mauro e Antônio Augusto Ferreira (1935 – 2008), João Sampaio, Ubirajara, Raffo Constant (1939 – 2013) e Beto Bollo – além de relembrar clássicos, como
Vidro dos Olhos e Ana Terra.
— Será uma noite para cantar e ouvir com o coração. Será um show de muita emoção, de revisão de coisas do passado — adianta.
Show em que todos ganham
Para custear as despesas de produção e o registro desse concerto pra lá de especial, Borges e sua fiel escudeira, a esposa Andressa Camargo, 28 anos, criaram um financiamento coletivo (confira abaixo).
— Pensamos como a gente poderia fazer um show diferente. Um espetáculo tem uma série de despesas. Então, pensamos: como os fãs poderiam ajudar, contribuir? Daí, surgiu a ideia do financiamento coletivo, no qual a gente poderia pagar essas despesas e os fãs podem ser reconhecidos, podem ganhar camisetas, cuias e até um show — explica Andressa, que completa:
— A ideia é que o financiamento coletivo, de alguma forma, impulsione o retorno
dele aos palcos, que não seja mais um show, mas um show especial de retorno, que dará um
gás para retomar a carreira dele.
"Recebi uma nova chance de vida e quero aproveitá-la muito bem"
Do dia 25 de junho de 2019 até o dia 19 de setembro, Luiz Carlos Borges viveu um dos grandes, senão o maior desafio de sua carreira. Um dia depois de dar entrada no Hospital São Francisco, na Santa Casa, ele teve de se submeter a uma cirurgia delicada, após sofrer um aneurisma de aorta, o segundo em sua vida. Depois de 70 dias na UTI e 14 em recuperação no quarto do hospital, Borges teve alta.
Na semana passada, faltando pouco mais de 20 dias para um dos grandes momentos de sua nova vida, o retorno aos palcos, Borges recebeu o Diário Gaúcho em sua casa, na Cidade Baixa, onde mora com Andressa e um dos filhos, Gregório, oito anos (de outros relacionamentos, ele ainda é pai de Luiz Adriano, Naiana, Sibelle e Luiz). Em mais de uma hora de bate-papo, falou sobre a internação, a recuperação, as pequenas sequelas que ainda têm (atualmente, o artista faz fisioterapia para melhorar os movimentos da mão esquerda) e, otimista e visionário, projeta o seu futuro. Confira!
Para que teus fãs e o público entendam, como começou tudo isso (os problemas de saúde)?
Após o show que fiz em Campo Grande (Mato Grosso do Sul), em junho do ano passado, peguei a estrada com o Érlon Péricles, meu sobrinho e compadre, e com Yuri Menezes. Na volta, eu já estava me sentindo mal, mas, quando passávamos pelo Paraná, a coisa foi piorando. Liguei para o Fernando Lucchese e para o Paulo Leães (ambos cardiologistas da Santa Casa) e falei dos meus sintomas. Eles disseram: “Borges, pega a estrada e volta. Só volta, não para mais em nenhuma cidade. Aqui, a gente te atende”. Eu tenho um problema sério de aorta, ela é enfraquecida, e isso ainda poderá ainda me incomodar mais adiante.
Em 2003, quando tive meu primeiro aneurisma de aorta, em São Sepé, fiz uma cirurgia semelhante. Desta vez, quando o aneurisma se repetiu, veio de forma maior. Por uma ou outra razão, tenho me salvado, estava com um pé na beira do abismo, mas voltei.
Como foi esse longo período de recuperação? O que passava pela tua cabeça no hospital?
Foi um período difícil, eu estava fragilizado fisicamente. E, neste período, nasce muita dúvida na cabeça da gente. Eu não tinha certeza se voltaria a caminhar nem me passava pela cabeça agarrar de novo um acordeão de 15 quilos. Se eu voltasse a caminhar, já estaria muito bom. Então, esse momento é dolorido, de uma briga interna. Não pode abandonar a fé, e eu sou um cara de muita fé. E acho que a questão não é ficar rezando ou peleando com Deus.
A questão é manter a tua fé, o teu ritmo, a tua meta, e minha meta era chegar, objetivamente, na melhora para estar com a família, para ver o Gregório crescer. Foi com esse foco que eu mantive meu raciocínio.
Em alguns momentos, ficaste sem voz, devido a sucessivos procedimentos aos quais foste submetido. Como artista, teu maior receio era ficar sem voz?
Sabes que não? Meu maior receio era não voltar a caminhar.
Músico vive de estrada, de shows, de discos... Como foi esse período longe dos palcos, financeiramente falando?
Tu sabes que, mais antigamente, eu tinha um estúdio, como renda complementar. O primeiro disco do Luiz Marenco foi gravado lá, por exemplo. Mas sempre quis me dedicar exclusivamente aos palcos. E, nesse período longe dos palcos, vendi o que podia ser vendido. Não iria vender uma gaita, não é? Então, tínhamos dois carros, vendi um. E, durante a caminhada, vi que somente aqueles de fé estão com a gente do início ao fim. Alguns amigos me ligaram de diferentes cidades e me ajudaram. Me ligou um amigo e disse: “Borges, tem um pessoal aqui querendo te ajudar”. E me mandavam uma determinada quantia. E esses caras não querem publicidade, não querem aparecer. São os de fé.
Daqui pra frente, quais teus planos?
Muitos! Recebi uma nova chance de vida e quero aproveitá-la muito bem. Acho que há muita coisa a ser feita, e vou me dedicar pra isso, me reinventando, buscando novas formas de conversar com a gaita, que é meu instrumento predileto, principalmente porque sigo tratando uma lesão que ficou após a cirurgia na mão esquerda. Tenho consciência de que já fiz minha parte em relação à execução da cordeona, de que têm muitos registros dessas execuções por aí, e isso me conforta. Quero também fortalecer meu lado intérprete, valorizando com o canto as letras das canções e, claro, estarei sempre cercado de amigos músicos competentes!
Há algum projeto que tu possas antecipar?
Em 1983, uma empresa me pediu que indicasse um nome nacional, para uma pequena turnê aqui no Rio Grande do Sul, na região noroeste. Naquela época, um dos nomes fortes da nossa música era Luiz Gonzaga (1912 – 1989). Passamos cerca de uma semana juntos, fizemos quatro shows: em Três de Maio, Santa Rosa, Horizontina e São Borja, tivemos um intenso convívio. Eu sempre fui um seguidor da obra, consegui contar isso para ele e tocar muita coisa junto com ele. E ele gostou. Viajamos no mesmo carro, ele chegava nos lugares e sempre contava uma história para o pessoal presente e tal.
No melhor sentido dessa frase, posso dizer que suguei o que pude do Gonzagão nesse convívio. Passado um tempo, eu estava tocando com um amigo, acordeonista das Missões, o Glauco Vieira, que toca muito Gonzagão, gosta como eu, seguidor da obra dele. Nesse dia, ele me disse: “Borges, tu tinha que gravar um disco cantando Gonzagão, te ajudo”. E eu achei boa ideia. E ele disse: “Já tenho o nome do disco, Luiz Canta Gonzaga”. Eu gosto muito desse nome, tem uma força na expressão, nome muito apropriado. E farei isso: já começamos ensaios, temos cinco canções bem testadas, em gravações bem caseiras.
Te programa!
- O quê: show de retorno aos palcos de Luiz Carlos Borges.
- Quando: dia 29, às 20h.
- Onde: Teatro Renascença, Erico Verissimo, 307.
- Quanto: neste site, é possível colaborar de duas maneiras. Para quem não quer ir ao espetáculo e quer somente ajudar, pode contribuir com valores a partir de R$ 20. Para quem quer ir ao show, o ingresso custa R$ 50. Já para quem contribuir com valores acima de R$ 50, as recompensas podem ser discos do gaiteiro, camisetas e cuias.