SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma reunião entre cineastas e a cúpula da Ancine, na última sexta (3), foi temperada com bate boca e troca de acusações entre o presidente da agência, Christian de Castro, e o veterano produtor Luiz Carlos Barreto.
O entrevero ilustra a gravidade da crise que o setor enfrenta no país e que corre o risco de impor uma paralisia em suas atividades.
O nonagenário Barreto, decano entre os produtores nacionais e responsável por títulos como "Terra em Transe", "Bye Bye Brasil" e "O Que É Isso, Companheiro?", apontou o dedo para Castro e, aos brados, disse que o dirigente da entidade precisava parar de "enxugar gelo".
"Você tem que entender que a Ancine não é uma propriedade particular sua", afirmou, exaltado, em vídeo da reunião a que a reportagem teve acesso. "Ela é nossa. Ela existe porque nós existimos. E nós estamos pedindo a defesa da nossa atividade. A Ancine tem que defender a nossa atividade."
É possível ouvir nas gravações que outras pessoas presentes na reunião dão apoio às queixas de Barreto. "Está certíssimo", diz alguém, não identificado.
Castro responde às acusações dizendo que em nenhum momento afirmou que não se manifestaria a respeito do desenrolar do imbróglio envolvendo a agência, responsável pelo fomento à atividade audiovisual no país.
As acusações do produtor ressoam a insatisfação que predomina no setor cinematográfico em relação a forma como o presidente da Ancine tem manejado a crise com o Tribunal de Contas da União. Castro é criticado por falta de transparência nas suas ações.
A agência do cinema se vê no meio de um impasse. Em 2017, o TCU abriu uma sindicância para investigar a forma como a entidade fiscalizava as contas dos projetos audiovisuais que ela aprovava e encontrou diversas irregularidades.
Num acórdão proferido em março, o tribunal emparedou a Ancine e determinou que ela mudasse a metodologia de avaliação das contas a ela submetidas ou não poderia mais liberar verbas públicas para bancar novos projetos em cinema e televisão.
Mas havia dúvidas, entre servidores da agência do cinema, se a decisão diria respeito a editais já em curso ou apenas aos eventuais novos.
A Ancine interpôs, então, embargos de declaração para clarear alguns pontos da decisão do TCU que ela julgava obscuros.
Ao mesmo tempo, o presidente da agência, Christian de Castro, tratou de se antecipar aos efeitos da decisão e ordenou que toda a liberação de novos recursos e publicação de editais fosse paralisada. A justificativa foi que a atitude daria "segurança jurídica aos servidores da agência".
O despacho de Castro pegou o setor audiovisual de surpresa, não só pelo seu impacto, mas também pelo momento em que foi apresentado --na véspera de um feriado, no mesmo dia do anúncio de que quatro filmes nacionais haviam sido selecionados para o Festival de Cannes e próximo ao começo da Rio2C, mega conferência do setor.
Sobre esse caso, o TCU ordenou ainda que os gestores da Ancine sejam convocados para uma audiência e expliquem a razão pela qual foi determinada a imediata suspensão desses atos.
O que a cadeia audiovisual teme é que o impasse diante da liberação de novos recursos prejudique todo o ciclo virtuoso da produção nacional.
A Ancine fala em receitas do setor na casa dos R$ 25 bilhões por ano e que área emprega cerca de 335 mil pessoas. Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica da USP calcula que o cinema responda por 0,44% do PIB nacional. O mesmo estudo estima que até 70% dos filmes brasileiros exibidos entre 1995 e 2016 foram contemplados com alguma forma de incentivo público.
A Ancine entrou com recurso contra a decisão do tribunal.
O impasse com o TCU não é o único problema que assola a agência de cinema.
Corre, em segredo de Justiça, um inquérito contra Castro, e outros quatro integrantes da entidade. Em dezembro, a Polícia Federal cumpriu um mandado de busca e apreensão na sede da entidade e apreendeu computadores, HDs, livros contábeis e outros itens, incluindo vários em poder do presidente da agência.