Na ressaca do experimentalismo promovido pelo manguebeat, no meio do eterno retorno das bandas dos anos 1980, independente, disputando o dial das FMs com o axé, traduzindo o hardcore melódico dos centros nublados do mundo para os trópicos, um minuto antes da implosão da indústria musical como a conhecíamos. Virada do século. Se você estava lá, deve se lembrar: nascia a última grande cena de rock no Brasil.
Leia as colunas anteriores
"Sem Palavras" reúne belo time de bandas instrumentais para reler clássicos de todos os gêneros
Quando o Carnaval parece que não vai ter fim
O aceno etéreo para o tempo de Luiza Lian
Abrindo essa derradeira roda punk estavam nomes como Dead Fish, Hateen, Dance of Days, Garage Fuzz, Sugar Kane e CPM22. Até a segunda metade dos anos 2000, era possível ouvi-los em rádios comerciais, acompanhados de gente que veio a reboque, como Fresno e NXZero, e colegas que não eram da mesma cena, mas compartilhavam o mesmo público, como Charlie Brown Jr. Mais de 20 anos depois do seu início, a maioria permanece na ativa, embora de volta ao underground.
O CPM22 é uma rara exceção. Lançando Suor e Sacrifício (primeiro álbum depois de uma sequência de dois discos ao vivo, uma coletânea e um acústico), o grupo ainda frequenta o circuito de shows de grandes casas e festivais e continua apreciado pelos grandes conglomerados musicais – seu contrato com a Universal, por exemplo, permite à banda negociar com outras distribuidoras.
– Tivemos liberdade até certo ponto no primeiro disco. Hoje, temos um diálogo de cavalheiros e conversamos sempre pensando no que é melhor para a banda. Mas sempre temos que jogar com o que é possível – comenta Badauí, vocalista e fundador do CPM22.
Aos 41 anos, Badauí divide seu tempo entre a banda e seu bar, o Cão Veio, que está em fase de expansão (abriu uma filial em Brasília e tem previsão de mais três unidades em São Paulo). Tranquilo, afirma que o CPM22 consegue manter shows para não menos que duas mil pessoas e uma agenda que costuma girar em torno de uma dúzia de apresentações por mês – incluindo o circuito universitário de festas e formaturas.
– É um formato de show que não estávamos acostumados, mas começou a acontecer na época do acústico – diz. – É importante porque mostra uma renovação de público, já que estamos tocando para um pessoal na faixa dos 20, 25 anos, que muitas vezes não teria contato com o nosso som. Sem contar que, no meio de um funk, de um sertanejo, tem o rock, né?
Suor e Sacrifício reflete momentos complicados da própria banda e seus integrantes – Badauí perdeu o pai, homenageado na música Honrar Teu Nome – e também da situação política e social do país. Para o músico, nunca fomos tão... chatos:
– Eu vi a geração das bandas dos anos 80 lutar para sair de uma ditadura e ganhar liberdade para, agora, o país ficar mais careta, preso na própria incapacidade de aceitar o novo. Acho perigoso e um tanto chato, as pessoas ficam se julgando por coisas pequenas.
Coluna
PLAYLIST: sobrevivente do último boom do rock brasileiro, CPM22 lança novo disco
"Suor e Sacrifício" é o primeiro álbum de inéditas em seis anos
Gustavo Brigatti
Enviar emailGZH faz parte do The Trust Project