No domingo, recebemos, meus irmãos e eu, a notícia de que uma das duas placas de bronze do túmulo do pai no cemitério do Centro Israelita tinha sido roubada. Embora para nós seja algo precioso, a placa surrupiada, que era a maiorzinha e que ficava na cabeceira do túmulo, não devia ter grande valor de mercado: trazia, em iídiche e em português, o nome do pai, as datas e locais de nascimento e morte e a fotografia em louça do nosso querido – que foi, talvez por piedade, abandonada sobre o túmulo, junto à outra placa, a menorzinha, que restou intocada sobre a lápide de granito preto.
Eu sei que o túmulo do meu pai não é o primeiro e nem será o último a ser saqueado – as aberrações viraram regra. Dói no coração, no entanto, saber que quem levou a placa não tem a menor ideia da barbaridade que fez, não tem noção do quão cruel é mexer na morte de um homem, nem imagina que rouba a paz que se promete aos mortos naqueles sete palmos abaixo da terra. O bandidinho nem sonha – e se sonha não se importa – que a família é imediatamente arremessada a um segundo luto.
Dói também saber que, junto com a placa, foi subtraída a história que ela conta: que o pai é da primeira geração de judeus do leste da Europa nascida no Brasil, que viveu apenas 56 anos e que sua morte deixou saudades imensas. O ladrãozinho muito menos sabe que estar junto ao túmulo de nosso pai e ler e reler aquela placa sempre nos trouxe a segurança de termos sido muito amados e, por outro lado, por alguns momentos, sentirmos compensada a falta de ver nosso pai envelhecer – eu que tanto queria ver meu pai velhinho.
Agora, toca a arrumar o túmulo: não colocaremos outra placa de bronze, mandaremos talhar no granito os dados de identificação. E, como um novo ano se anuncia logo ali, proponho manter o tantinho de esperança que sobra desse episódio. Na segunda placa de bronze, a menorzinha, aquela que foi deixada, está gravado nosso orgulho de filhos: "Exemplo de honestidade e dignidade para todos nós".
Talvez haja salvação. Feliz 2017.