A Fresno se encontra naquele confortável patamar de quem não precisa provar mais nada a ninguém. Nos últimos 15 anos, foi peça fundamental na reconfiguração do rock no Brasil no século 21, viu seu vocalista Lucas Silveira se transformar em compositor e produtor requisitado e, acima de tudo, estabeleceu uma base de fãs que os segue incondicionalmente. Mesmo assim (ou até por isso), permanece pouco na zona de conforto – como mostra o ambicioso A sinfonia de tudo que há.
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Lançado há pouco, o disco foi notícia primeiro por ter participação de Caetano Veloso. O guru reveza os vocais com Lucas na terceira faixa, Hoje sou trovão. O líder da Fresno conta que Caê aceitou o convite depois de saber que A sinfonia... não era apenas uma coleção de músicas, mas um álbum de fato, que em suas 11 composições narra uma espécie de jornada do herói com base na física quântica.
– As músicas retratam uma sequência de acontecimentos que se sucederam na vida de um cara normal, que caiu de paraquedas numa missão impossível – explica Lucas, via e-mail. – Criamos todo esse universo porque existe uma postulação comum na física quântica que diz que podemos descrever toda a matéria como onda. Uma vez que inclusive nós mesmos somos pequenas vibrações e perturbações nesse universo praticamente infinito, temos em nós um pouco do todo.
Esse olhar para o infinito carrega a tradicional melancolia das composições de Lucas, refletindo principalmente o sentimento de inadequação do seu eu lírico – representado na capa pelo monólito isolado no meio de um oceano violeta. A diferença está no tratamento musical, que leva a Fresno a outro patamar.
A sinfonia... não somente faz jus ao seu título, adicionando arranjos de cordas em quase todas as faixas, mas acrescenta um peso que beira o épico. Enquanto algumas canções da primeira parte do disco são mais delicadas, como a levada de piano Poeira estelar e o violão solitário de O ar, na segunda parte Axis mundi e A maldição surgem densas, intrincadas e barulhentas como pequenas peças de metal progressivo.
Mesmo considerando que a evolução musical da Fresno não é agora, Lucas admite que em A sinfonia... o salto foi maior:
– Acredito que nossa rampa de crescimento ficou mais íngreme. Algumas escolhas musicais ali exigiram bastante coragem, pois lidamos com um público grande, heterogêneo e cheio de expectativas. Mas a maturidade foi necessária justamente para impormos os nossos desejos nessa criação, sem nenhuma amarra, nenhum pré-julgamento, nenhum formato definido. É nosso disco mais livre.
LANÇAMENTOS
HUMAN NATURE
Fire Department Club
Surgido em 2011, o quarteto porto-alegrense Fire Department Club se propôs a um indie rock redondinho, com produção esmerada e letras contemplativas. Em seu terceiro EP, André Ache (vocais e baixo), Gabriel Gottardo (sintetizadores e guitarra), Meinel Waldow (guitarra) e Gui Schwertner (bateria) continuam acreditando que sintetizadores, vocais etéreos e batidas dançantes são o santo graal do pop – e eles podem estar certos. Suas quatro faixas carregam aquela vocação rara de ressuscitar pistas de danças mortas, na linha dos gigantes do synth pop que caminharam pela Terra na primeira metade dos anos 2000, como Hot Chip e Cut Copy. Destaque para No Fire, canção mais bem trabalhada do EP e que, ao aumentar o volume das guitarras, indica um caminho interessante para o FDC num futuro próximo (Pop, independente, 4 faixas, disponível para audição nos serviços de streaming).
ALGUNS JANEIROS NAS COSTAS
Laranja Freak
"Então por que não evaporas em mim? / se o teu perfume já me faz teu jardim" canta Ricardo Farfisa em Perfume, terceira faixa do novo disco da decana banda de rock psicodélico porto-alegrense. E eu me pergunto como, logo de cara, é possível não amar um grupo que compõe ripongagens nesse nível. Mas Alguns janeiros... é bem mais do que um punhado de canções com letras inspiradas. É um disco muito bem executado e gravado, cheio de excelentes sacadas e que não cansa mesmo se tivesse o dobro de músicas. Do seu narguilé exalam influências do flower power brasuca, como Secos & Molhados, Mutantes e Bicho da Seda – embora Amônia pudesse constar fácil na trilha sonora de Hair. Nonsense e Risco do Risco são outros dois pontos altos do discos, faixas intrincadas, mas que descem redondas, atestando a qualidade dos Laranja (Rock, independente, 12 faixas, disponível para audição nos serviços de streaming).
RIZOMAS
Fuss
É preciso pouco mais de alguns segundos de audição para sacar que Lucas Patrício, Lucas Tambosi, Victor Fink e Heitor Garcia são crias dos anos 2000. Em seu EP de estreia, Rizomas, a banda de Canoas deixa claro que passou a vida ouvindo Arctic Monkeys e Franz Ferdinand – mas se esforça para imprimir identidade própria ao seu indie rock de pista. Primeiro, cantando em português, algo pouco comum ao gênero; segundo, permitindo-se ir além do manual, flertando com um rock mais elaborado – Incolor, a melhor faixa do disco, dá uma provinha que a Fuss tem potencial para ir muito, mas muito longe. É só questão de tempo e maturação (Rock, independente, 3 faixas, disponível para audição nos serviços de streaming).