Não dá para dizer que Boca Migotto tenha se encantado pelo cinema na infância, nem que essa tenha sido uma paixão adolescente. Nascido em Carlos Barbosa, cresceu praticamente sem frequentar salas de exibição ou ter contato com o ambiente cinematográfico. Mas o interesse por cultura e comunicação o levou ao curso de publicidade na Unisinos, onde descobriu – e se aproximou – do fazer cinema. Precisou sair da terra natal para se constituir e ser reconhecido como cineasta, mas mantém questões identitárias bastante presentes na própria obra.
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A trajetória de experimentações e estudos – que incluem o aprimoramento da sua formação em Londres e o sucesso do longa Filme sobre um Bom Fim, lançado em 2015 – reverberam, também, na edição do Festival de Cinema de Gramado que começa nesta sexta. O diretor serrano apresentará dois curtas no encontro, um deles pela primeira vez na concorrida mostra nacional.
Horas e Às Margens estão na mostra gaúcha, com exibições na tarde de sábado. Além disso, Horas foi selecionado – 14 entre 574 produções do país – para participar da mostra nacional. O trabalho de Boca tem questões recorrentes sobre a preservação da memória, da identidade observada com um olhar crítico e, no caso dos títulos exibidos em Gramado, sobre a solidão – Às Margens, sobre um escultor barbosense que não é reconhecido pela sociedade em que vive, e Horas, sobre um borracheiro que, só, fica à espera de clientes. Subir ao palco do Palácio dos Festivais para comentar a obra é um ato simbólico, uma espécie de indicativo do acerto das escolhas tomadas por ele.
– Mesmo antes de fazer cinema, gostava de estar em Gramado e tentar entender como as pessoas que estavam lá faziam aquilo. Todos os anos faço filmes pensando em apresentá-los neste festival, é um encontro quase festivo – conta.
O encontro terá o festejado Aquarius, do pernambucano Kleber Mendonça, como filme de abertura e a atriz Sonia Braga como homenageada do troféu Oscarito. Sábado, Tony Ramos receberá o Troféu Cidade de Gramado, honraria que representa o tributo do município a profissionais do cinema brasileiro. O festival segue até 4 de setembro.
Outros cineastas de Carlos Barbosa
Com apenas 25 mil habitantes e uma sala de cinema, Carlos Barbosa curiosamente produziu três cineastas. Além de Boca Migotto, Felipe Guerra e Pereira Dias têm atuação expressiva nesse contexto. Guerra é contemporâneo de Boca e recorda que a cidade viveu uma efervescência cultural nos anos 1990. Ele comprou uma câmera e começou a fazer filmes, tendo os amigos como atores. As obras de terror underground ganharam projeção no Caldeirão do Huck e do Fantástico, como o “cara que faz filmes trash” numa cidade do interior.
Atualmente, trabalha no cinema do Santander Cultural e comenta sobre o sucesso que o Filme Sobre um Bom Fim, do conterrâneo Boca, fez por lá. Também reclama da falta de interesse na cidade.
– Não existe mais esse estímulo a atividades culturais no município – reclama Guerra.
Pereira Dias, morto em 1988, trabalhou com Teixeirinha. A pesquisadora Miriam Rossini explica que ele tinha 40 e poucos anos quando voltou ao Estado. Mas são são poucos os registros sobre a vida dele na Serra.
– Fico triste, pois a cidade não dá valor à cultura – diz Boca.
PROGRAMAÇÃO
Sexta, no Palácio dos Festivais
* 14h30min
Sessão Mostra Gaúcha 01 com os filmes As Três, de Elena Sassi; Another Empty Space, de Davi de Oliveira Pinheiro; Tabaré Inácio, de Luiz Alberto Cassol; Sesmaria, de Gabriela Richter Lamas; Outono Celeste, de Iuri Minfroy; Dia dos Namorados, de Roberto Burd; e Inatingível, de Rodolfo de Castilhos Franco. Entrada Franca
* 19h
Entrega do Troféu Oscarito para Sonia Braga e exibição do filme de abertura, Aquarius, de Kleber Mendonça Filhoz
Ingressos a R$ 30 ou R$ 15 (meia)