Ao longo de pelo menos três longas-metragens (Esperando o Messias, O Abraço Partido e As Leis de Família), o cineasta argentino Daniel Burman falou sobre amadurecimento e relações familiares a partir do olhar dos jovens adultos da Buenos Aires pós-crise de 2000. Seus alter egos, nesses filmes, sempre se chamavam Ariel e eram interpretados por Daniel Hendler. Não que fosse algo estabelecido nos moldes François Truffaut/Antoine Doinel: Ariel nunca foi a mesma pessoa entre um título e outro.
A partir de Ninho Vazio, lançado em 2008, Burman deixou de lado esses emblemáticos personagens. Curiosamente, o fez em um filme sobre a ausência dos filhos quando estes se tornam independentes e "abandonam" a casa dos pais. Alguns anos se passaram e, agora, o diretor e roteirista de 42 anos resolveu filmar o retorno de Ariel ao seio familiar. Uma tentativa de retorno, para ser mais preciso.
Quem o encarna em O Décimo Homem, estreia desta semana nos cinemas, é o ator Alan Sabbagh, sujeito fisicamente muito distinto de Hendler – mais corpulento e com uma expressividade, digamos, menos tímida, embora Burman siga apostando na contenção, inclusive como forma de trabalhar sua discreta comicidade. O Ariel da vez realmente deixou o lar: tornou-se um bem-sucedido economista em Nova York. E quer voltar para rever Usher (Usher Barilka), seu pai e, além disso, "o rei do Once".
É de maneira muito bem articulada que Burman promove a aproximação entre os dois, reiterando as tensões em sua relação, mas nunca escancarando quais os ruídos que, de fato, existem entre eles. O título original do filme é El Rey del Once, em alusão à alcunha com a qual Usher é conhecido na vida real. Sim, trata-se de uma figura que existe e que se tornou conhecida à frente uma ONG de assistência a necessitados na vizinhança. Once, o reduto judeu de Buenos Aires, cenário da infância e da adolescência de Burman, é o lugar.
Na obra do cineasta, as relações familiares se constituem à sombra da tradição, especialmente a judaica. Em O Décimo Homem, a religião segue sendo um elemento central do já conhecido embate geracional entre pais e filhos. O que chama a atenção de maneira particular no novo filme é o distanciamento acentuado entre eles. É nada menos do que um abismo que os separa – como se os anos passados (em relação aos outros longas) tivessem afastado ainda mais os velhos apegados às raízes e os jovens dispostos a se libertar delas.
Como o espectador vai percebendo ao longo dos 81 minutos de filme, só uma atitude mais radical da parte de um ou de outro será capaz de promover a reaproximação. Um detalhe é que Usher, ainda que seja muito ouvido pelo telefone, praticamente não aparece em cena. Em sua jornada por Buenos Aires, Ariel interage mais com uma misteriosa garota chamada Eva (Julieta Zylberberg), colaboradora da ONG. Ela funciona como intermediária – alguém que vai acabar ajudando-o a, de fato, na prática, retornar ao convívio de quem já não mais reconhece como seus entes próximos.
Até pode parecer pesado, ou no mínimo difícil, mas com Burman tudo ganha um ar leve graças a algumas piadas pontuais, autoironia explícita e, sobretudo, um humor sutil que perpassa toda a narrativa. E há o mistério em torno do enigmático Usher. No final, entre o entendimento e a ruptura, o cineasta conduz um meio termo possível. Coerente com a jornada transformadora vivida por Ariel.
O Décimo Homem
De Daniel Burman
Drama, Argentina, 2015, 81min.
Em cartaz no circuito.
Cotação: bom.