Em uma noite de premiações pulverizadas, o tom político dos discursos e das piadas tornou o Oscar 2016 uma iluminada caixa de ressonância de temas quentes do mundo contemporâneo. A festa no domingo começou destacando o racismo entranhado em Hollywood e terminou com um pedido ao Papa Francisco para que protegesse as crianças dos padres pedófilos. Como era esperado, o humorista Chris Rock, apresentador da cerimônia, deitou e rolou sobre o assunto que gerou a grande controvérsia do evento: a ausência de negros nas categorias principais da disputa.
O anunciado boicote de atores e celebridades negras à cerimônia – Will Smith e Oprah Winfrey não compareceram – teve como contraponto a presença de Whoopi Goldberg e Morgan Freeman, a quem coube a distinção de anunciar o Oscar de melhor filme para Spotlight – Segredos Revelados, sobre o trabalho de jornalistas que denunciaram abusos sexuais cometidos por padres. O discurso político foi realçado também na fala do mexicano Alejandro González Iñárritu, eleito o melhor diretor com O Regresso – ele voltou a dar uma indireta ao pré-candidato republicano à presidência dos EUA Donald Trump, cujo discurso xenófobo tem angariado muitos simpatizantes.
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Convidado especial do evento, o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, reforçou a campanha nacional contra o abuso sexual nas universidades apresentando Lady Gaga à frente da canção indicada pelo documentário The Hunting Ground, que aborda esse tema.
Racismo
"Os negros não protestaram nos prêmios da Academia nos anos 1950 e 60 porque tínhamos coisas mais importantes para nos preocupar na época, como sermos estuprados e linchados. Quando sua avó está enforcada em uma árvore, é realmente difícil pensar em quem venceu o melhor curta-metragem de documentário estrangeiro."
"Este ano, o ‘in memoriam’ vai ser com negros que foram mortos pela polícia quando estavam a caminho do cinema."
"Para se ter atores negros indicados todo ano, só precisa ter categorias para negros, como "melhor amigo negro."
"Queremos que atores negros tenham as mesmas oportunidades e não só de vez em quando. Leo (DiCaprio) consegue um grande papel todo ano."
Chris Rock, apresentador do Oscar 2016
Pedofilia
"Este filme deu voz aos sobreviventes. E este Oscar amplifica sua voz, o que esperamos que se converta em um coro que ressoe e chegue até o Vaticano. Papa Francisco, é tempo de proteger as crianças e restaurar nossa fé ."
Michael Sugar, produtor de Spotlight, vencedor do Oscar de melhor filme
Diversidade sexual
"Li um artigo meses atrás de Sir Ian McKellen, dizendo que nenhum homem abertamente gay havia ganhado um Oscar. Se este for o caso, e mesmo que não seja, eu gostaria de dedicar este prêmio à comunidade LGBT de todo o mundo. Eu estou aqui esta noite como um orgulhoso homem gay e espero que um dia todos nós possamos estar todos juntos como iguais" .
Sam Smith, cantor, vencedor do Oscar de canção original (Writing’s on the Wall, de 007 Contra Spectre)
Preconceito
"Há uma frase no filme (O Regresso) que diz que as pessoas não escutam você quando veem a cor da sua pele. Que grande oportunidade para nossa geração realmente se libertar de todo preconceito e, desta forma, de pensar, e ter certeza, de uma vez por todas e para sempre, de que a cor da pele é tão irrelevante quanto o comprimento do cabelo".
Alejandro González Iñárritu, ganhador do Oscar de direção por O Regresso
Abuso sexual
"Nós devemos e podemos mudar a essa cultura para que nenhuma vítima de abuso se pergunte: ‘O que eu fiz de errado?’. Eles não fizeram nada de errado".
Joe Biden, vice-presidente dos Estados Unidos, presentando Lady Gaga à frente da canção Til it Happens to You, indicada pelo documentário The Hunting Ground, que aborda o tema
Meio ambiente
"A mudança climática é real, está acontecendo agora. É a ameaça mais urgente que nossas espécies enfrentam, precisamos trabalhar juntos e parar de adiar as ações" .
Leonardo DiCaprio, vencedor do Oscar de melhor ator por O Regresso
Inclusão
"Todo mundo em Hollywood tem responsabilidades nas mudanças. Precisamos agir. A inclusão nos fará mais fortes. A Academia tem a responsabilidade de dialogar com um público global e diverso e precisa ser reflexo dessa mudança ".
Cheryl Boone Isaacs, presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em seu mea-culpa sobre a ausência de negros na festa