Do Oscar a Berlim
A falta de representatividade dos negros no Oscar 2016 resvalou no Festival de Berlim quando o diretor norte-americano Spike Lee (foto abaixo) apresentou seu novo filme, Chi-Raq.
– Não estou chamando de boicote ao Oscar, eu só não quero ir – disse Lee, em entrevista coletiva.
Segundo o cineasta, a Academia de Hollywood é só a ponta de um problema maior:
– A questão é que os executivos dos estúdios cinema e dos canais de televisão decidem o que devemos ou não produzir. E não há diversidade entre eles. Isso se reflete na Academia.
Exibido fora de concurso, Chi-Raq é uma adaptação de Lisístrata, do grego Aristófanes, para o universo das gangues de Chicago: mulheres fazem greve de sexo para conter a violência de seus companheiros. As falas são rimadas, como em versos de hip hop. O título é uma corruptela entre Chicago e Iraque. Ainda não há previsão de estreia no circuito.
Política e exílio
A violência adolescente de Being 17, de André Téchiné, os ilegais mexicanos nos EUA de Soy Nero, de Rafi Pitts, a dificuldade dos imigrantes na Europa em Fire at Sea, do italiano Gianfranco Rosi: como é tradição no Festival de Berlim, tido como “o mais politizado do mundo”, vários filmes falam de política a partir de diferentes temas. Rosi, diretor de um dos longas mais elogiados do festival, usou termos como “tragédia” e “genocídio” para falar da morte dos refugiados que tentam a sorte na Europa atual.
– Estamos vendo um novo Holocausto – disse.
Fire at Sea, ou Fuocoammare, no original em italiano, é um documentário que acompanha um garoto na ilha de Lampedusa, que fica no meio do caminho entre o norte da África e a Sicília e que está na rota dos imigrantes que se lançam ao mar, em balsas precárias – muitos deles morrendo antes de chegar ao destino.
Um filme como Miles
A relação turbulenta entre o escritor Thomas Wolfe e o editor Max Perkins é tema do filme norte-americano Genius, de Michael Grandage. As elogiadas atuações de Jude Law (como Wolfe) e, principalmente, de Colin Firth (Perkins, primeira foto da matéria), já estão cotadas para o Oscar 2017, conforme os jornalistas americanos que fazem a cobertura do festival. Mas, se há um filme dos EUA que tenha chamado a atenção da crítica internacional, este é Miles Ahead, escrito e protagonizado por Don Cheadle (foto abaixo).
Cinebiografia do revolucionário jazzista Miles Davis (1926 – 1991), o longa – primeiro a ser dirigido por Cheadle – concentra-se em uma fase da década de 1970 na qual o trompetista se exilou dos palcos, compondo, mas sem gravar, sob efeito de cocaína. Produzido pela Sony/Columbia, mas ainda sem distribuição garantida no Brasil, o longa arrancou elogios de uns e críticas negativas de outros. Na Variety, foi definido como “errático, imprevisível e intrigante”.
– Eu queria fazer um filme como Miles Davis, e não sobre Miles Davis – definiu Cheadle.
Os favoritos ao Urso de Ouro
Além de Being 17 e Fire at Sea (leia a nota “Política e Exílio”, acima) também recebeu elogios o longa dinamarquês The Commune, de Thomas Vinterberg. O novo filme do diretor de A Caça (2012) tem tintas autobiográficas: aborda a vida em uma comuna, local em que famílias vivem de maneira coletiva apoiadas por valores liberais (o cineasta viveu em uma quando criança), com destaque para a relação entre um homem casado e uma garota mais jovem. O alemão 24 Weeks, de Anne Zohra Berrached, e o bósnio Death in Sarajevo, de Danis Tanovic, são outros dos mais elogiados títulos em competição. Mas, parece unanimidade, o grande favorito ao Urso de Ouro de melhor longa do evento é o italiano Fire at Sea, de Gianfranco Rosi. Vale lembrar que outro documentário saiu vencedor do festival no ano passado: Taxi Teerã, de Jafar Panahi.
Brasileiros bem recebidos
Foi bem recebido em Berlim o novo filme da diretora brasileira Anna Muylaert – o primeiro após o sucesso Que Horas Ela Volta?, premiado na seção Panorama no festival do ano passado. Em Mãe Só Há Uma, ela apresenta a história de um adolescente (Naomi Nero) que foi roubado na maternidade – e, além disso, se descobre transexual. Curumim, documentário de Marcos Prado sobre o brasileiro Marco Archer, recentemente condenado à morte na Indonésia, e Antes o Tempo Não Acabava, drama de Sergio Andrade e Fábio Baldo sobre um jovem que vive entre os brancos e os índios na periferia de Manaus, também foram aplaudidos em suas sessões na mostra Panorama. A participação brasileira se encerrou com as exibições, ontem e anteontem, de Muito Romântico, o ensaístico longa de Gustavo Jahn e Melissa Dullius, selecionado para a seção Fórum. Na quinta-feira, a sala estava lotada para vê-lo.