Proibido de trabalhar em seu país, o cineasta iraniano Jafar Panahi conseguiu, com recursos ínfimos, concluir três longas-metragens desde que foi condenado pelo regime dos aiatolás, há cinco anos (leia detalhes abaixo). Nenhum deles, no entanto, tem a potência de Táxi Teerã, filme vencedor do Urso de Ouro do Festival de Berlim que entra em cartaz nesta semana no Guion Center, em Porto Alegre.
Aos moldes do que seu parceiro Abbas Kiarostami fez em Dez (2002), Panahi instalou pequenas câmeras em um táxi e registrou as conversas com os passageiros enquanto o carro percorria a capital do Irã. Uma das particularidades de seu projeto é que ele próprio assume o papel de motorista. Outra: quando seus conhecidos, incluindo a sobrinha Hana Saeidi, adentram o veículo, o espectador é levado a questionar seu caráter documental. Acaba entendendo que se trata de encenações nas quais homens e mulheres em cena interpretam a si mesmos, num registro entre ficção e não ficção que busca o realismo sem se importar em transcender gêneros e classificações estanques.
Um "realismo sórdido", para usar uma expressão da pequena Hana, 8 anos de idade. A menina quer fazer um filme. Explica ao diretor-motorista que uma professora a orientou a seguir uma cartilha com regras que impõem limites sociais e religiosos aos personagens. Caso não se enquadre nessas determinações, terá aderido a essa classificação (realismo sórdido), que, pelo caráter transgressor, já surge com cara de nome de movimento artístico revolucionário.
Toda a obra de Panahi, incluindo Táxi Teerã, tem um quê de realismo sórdido. O público vai se dando conta disso conforme se desenrola o bate-papo entre Hana e o diretor. E essa é só uma das grandes sacadas deste filmaço. As conversas todas versam sobre temas invariavelmente banais - podem ser aplicadas ao que se discute em táxis, ou elevadores, ou qualquer outro lugar, em qualquer cidade do mundo, no Oriente ou no Ocidente. Mas dizem muito sobre as particularidades de uma sociedade que censura seus artistas e que, revelam algumas sequências, mantém apego a certas tradições e uma assustadora naturalidade na abordagem de assuntos espinhosos como a pena de morte, inclusive como punição para os crimes mais comezinhos.
Dois outros pontos altos de Táxi Teerã são as participações de um vendedor de DVDs piratas, que reconhece Panahi e se identifica como seu provedor de filmes vetados pela repressão do país (um Woody Allen entre eles), e da advogada Nasrin Sotoudeh, profissional identificada com minorias e perseguidos políticos e cujo depoimento, já na parte final da narrativa, é revelador de uma realidade de coerção chocante.
Não que as informações de Nasrin surjam como novidade. É a forma com que o cineasta constrói sua compreensão que as tornam - ainda mais - instigantes. Parece que, depois dos longas rodados na reclusão de seu apartamento, Panahi encontrou o dispositivo ideal para construir um grande painel das contradições do Irã contemporâneo.
Táxi Teerã
De Jafar Panahi
Drama/documentário, Irã, 86min, livre.
Cotação: ótimo.
Trajetória de luta contra a repressão
(e reconhecimento internacional)
Jafar Panahi alcançou o reconhecimento nos anos 1990, quando lançou O Balão Branco (1995), O Espelho (1997) e O Círculo (2000). É uma das referências do cinema iraniano contemporâneo - junto a, entre outros, Abbas Kiarostami, que assina os roteiros de alguns de seus longas.
Opositor do ditador Mahmoud Ahmadinejad, Panahi engajou-se na campanha contra sua reeleição à presidência do Irã em 2009. Junto a outros artistas, a maioria sem a mesma projeção internacional, acabou condenado, em 2010, por "atividades contra a segurança nacional e propaganda contra o regime". A sentença determinou que ele ficasse 20 anos sem poder trabalhar e seis anos detido (que depois seriam transformados em prisão domiciliar).
Mesmo impedido de sair de casa, conseguiu realizar Isto Não É um Filme (2011), longa calcado na angústia do artista tolhido em sua expressão. Uma cópia foi enviada à Europa de maneira clandestina, e sua exibição, fora de concurso, no Festival de Cannes, causou comoção na comunidade cinéfila.
Da mesma forma, Cortinas Fechadas (2013) alcançou o exterior do Irã às escondidas - e acabou ganhando o prêmio de melhor roteiro no Festival de Berlim. Com Táxi Teerã, ele conquistou o Urso de Ouro no mesmo evento, além do prêmio da crítica.
Panahi tem 55 anos. Entre os outros prêmios que ganhou ao longo da carreira, estão o troféu Câmera de Ouro em Cannes (por O Balão Branco), o prêmio do júri da seção Um Certo Olhar do mesmo festival por Ouro Carmim (2003), o Leopardo de Ouro em Locarno por O Espelho, o Leão de Ouro em Veneza e o prêmio da crítica em San Sebastián por O Círculo, além do grande prêmio do júri em Berlim por Fora de Jogo (2006).
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