Em 1997, Bebeto Alves apresentou um disco que acabou não ganhando shows de lançamento. Era Mandando Lenha, álbum que teve uma trajetória discreta, logo virando raridade e, com o tempo, objeto de culto - hoje está fora de catálogo. Nesse trabalho, Bebeto deixava de lado sua faceta de cantautor para se apresentar como intérprete das letras do compositor regionalista Mauro Moraes. Estava acompanhado por uma formação mínima, o violão do argentino Lucio Yanel e o contrabaixo de Clovis "Boca" Freire. Juntos, deram forma a uma sonoridade que percorre as profundezas ancestrais da música regional da porção sul do continente. Foi o segundo trabalho de uma trilogia que já incluía Milongueando uns Troços (1994) e depois ganharia Milongamento (1999).
Quando Mandando Lenha saiu, Bebeto achava que o disco era menos seu do que de Mauro Moraes. Daí o "desinvestimento" na época em um trabalho que, aos ouvidos de hoje, soa contemporâneo pelo caráter atemporal que os clássicos adquirem. E foi ao revisitar Mandando Lenha depois de muitos anos sem escutá-lo que Bebeto decidiu retomar o disco para, quase 20 anos depois, apresentá-lo finalmente ao vivo.
Após shows em Buenos Aires e Santa Maria, o músico e compositor gaúcho incorpora novamente seu lado intérprete no espetáculo que apresenta nesta sexta-feira (13/11), às 21h, no Theatro São Pedro. Não será apenas a apresentação tardia de um disco já histórico, mas também o show de gravação das 14 faixas em um DVD financiado por meio do site tragaseushow.com.br/mandandolenha. Agora, no lugar de Yanel, o violão é assumido por outro virtuose, Marcello Caminha.
Mandando Lenha é um disco que lida com fronteiras: nativista e universal, campeiro e urbano. Esse traço fronteiriço se dá também por Bebeto e Moraes serem de Uruguaiana e promoverem um intercâmbio com o argentino Yanel. A interpretação vocal e as execuções instrumentais alcançam uma sonoridade que se coloca na fronteira entre a milonga e o tango, percorrendo ainda chamamés e rancheiras. Mandando Lenha é hoje um marco pelo fato de a estética nativista ter sido tomada pelos músicos de um modo aberto, o que resultou em um trabalho renovador frente a alguns conservadorismos que, ainda hoje, permanecem entremeando a música regional.
Entrevista - Bebeto Alves
O que Mandando Lenha representa na tua discografia?
Em um primeiro momento, foi um trabalho que desconsiderei como sendo um disco autoral, no sentido da apropriação, de sentir que era "meu", pois nunca me vi como intérprete e talvez nunca tenha entendido bem o que isso significa. Sempre me reconheci um cantautor ou um criador buscando formas para desenvolver, através da música, uma latência criativa. A obra do Mauro (Moraes) remete a um universo campesino, de um homem simples, de uma vida simples. Do homem que "dá boia pras galinhas, varre o cisco do pátio, se preocupa com os cachorros de casa, se os porcos comeram ou não, que, ao deparar com a sua própria solidão, põe uma beca e sai pra prosear com a querência". É genial. Custei a entender isso. Na verdade, ao me descobrir como intérprete, me entendi como o ator buscando o seu personagem, e essa experiência me permitiu vivenciar isso tudo. Esse disco me deu a possibilidade de ampliar o repertório como artista, em todos os sentidos.
É um trabalho que tem uma história peculiar, por ter tido uma vida breve, mas, ao mesmo tempo, se tornado um clássico.
Sim, porque, na verdade, eu não queria gravar esse disco. Tinha gravado o anterior, Milongueando uns Troços, com a participação do José Claudio Machado, no qual tinha feito um contraponto com a obra do Mauro Moraes a aquele universo regionalista, apesar de as canções o simbolizarem em sua essência. Falei para ele que estava de bom tamanho um disco e não queria me responsabilizar por aquilo. O Mauro insistiu, e eu resolvi fazer, em respeito à admiração que ele nutria por mim e pelo meu trabalho. O disco foi gravado de uma maneira pouco comum. O Lucio Yanel colocou a guitarra, cheia de improvisos, em cima de uma guia do próprio Mauro; o Clovis colocou o baixo em cima dos improvisos do Lucio; e eu aprendi as canções ouvindo esse material com o autor cantarolando para mim a melodia. Descobri assim as canções e a forma de cantar. O importante era me descobrir naquilo para ser o mais honesto e verdadeiro possível. Talvez isso tenha sido o grande diferencial desse trabalho e tenha causado tanta admiração e interesse.
Por que a ideia de retomar o álbum quase 20 anos depois?
O seu redescobrimento para mim. Depois de muitos anos sem ouvi-lo, tive um epifania. Os primeiros acordes me chamaram a atenção, e o que veio depois me causou um alvoroço na alma. Ouvi um trabalho incomum, com uma sonoridade maravilhosa, que me remeteu a um universo de uma música internacional. E me perguntei imediatamente como um trabalho como esse tinha sido confinado a um patrimônio regionalista de uma pequena gravadora ao sul do Brasil. Fiz mea-culpa, por nunca ter feito nada pelo disco: não fiz show, não citei, não me apropriei dele, tudo por não sentir que se tratava de um trabalho meu, e sim do Mauro. A emoção foi muito grande ao sentir, pela primeira vez, a importância do que eu tinha feito e a genialidade da obra do Mauro. Disse para mim mesmo: "Esse disco é meu, faz parte da minha história".
Como será o show?
O show em Porto Alegre está ainda mais amadurecido, pelas apresentações anteriores e pelo trabalho de ensaios. Por exemplo: tinha uma música que não estávamos tocando por não ter encontrado a medida dela, por não ter me achado nela. Demorou um pouco, até ela me parecer verdadeira, e eu poder cantar. É Com Cisco nos Olhos, que por fim incorporamos ao repertório. Agora, estamos tocando o disco de forma integral, na ordem. A ideia é ser fiel a isso, transmitir a mesma emoção que as pessoas tiveram ao ouvir o CD pela primeira vez. Eu tive que me descobrir novamente dentro desse universo como um ator buscando o seu personagem. A entrada do Marcello Caminha no lugar do Lucio acabou sendo fundamental. Não há nada nem ninguém que substitua o Lucio, e esse foi o trunfo do Marcello, que, ao respeitar a criação, buscou a sua expressão, a sua maneira de tocar o mesmo repertório gravado pela genialidade do guitarrista argentino e trazendo a sua contribuição. Renovou tudo, incluindo a minha interpretação.
Bebeto Alves - Mandando Lenha
Sexta-feira (13/11), às 21h. Classificação: livre. Duração: 80min.
Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/n°), fone (51) 3227-5100, em Porto Alegre.
O show: o músico Bebeto Alves revisita o disco Mandando Lenha (1997), hoje esgotado, em show para gravação de um DVD ao vivo.
Ingressos: R$ 40 (galeria), R$ 50 (camarote lateral), R$ 60 (camarote central) e R$ 80 (plateia e cadeira extra). Desconto de 50% para idosos e estudantes.
Ponto de venda: bilheteria do Theatro São Pedro, das 13h até o horário de início do espetáculo, site compreingressos.com ou call center no fone (51) 2626-1310.