O ambiente não era dos mais acolhedores. Seus frequentadores, longe de simpáticos. Era preciso matar aula, sair escondido ou inventar alguma história em casa - ou seja, havia a possibilidade real de, se descoberto, levar uma bela surra do meu pai. Então, se você perguntar por que diabos eu não saia de fliperamas, não sei a resposta. Só sei que não estava sozinho.
Febre nas décadas de 1980 e 90, as máquinas comedoras de fichas estavam por todo lugar e faziam parte da rotina e do imaginário de qualquer guri (e algumas gurias, dizem). Sejam os pinballs e suas bolinhas cromadas a acionar conexões luminosas, sejam os arcades e suas aventuras technicolor que os primeiros consoles não comportavam, os fliperamas exerciam um fascínio irresistível.
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Pré-adolescentes, meus amigos e eu conseguíamos farejar uma máquina de Captain Commando a quilômetros de distância e qualquer moeda que caísse na nossa mão virava crédito. Quando não havia dinheiro, alguns lugares ofereciam, digamos, alternativas - tipo trocar um vasilhame de Coca-Cola por um par de fichas. Valia tudo.
- Tinha alguma coisa naquela mistura de sons e luzes que atraía a gente, alguma coisa mágica - filosofa Caho Lopes, empresário de 51 anos fisgado pelos pinballs aos 10, em 1974.
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A paixão pelo pinball foi tão arrebatadora que tornou Lopes um colecionador dedicado. E olha que ele pegou a fase inicial da coisa: segundo o arcade-history.com, uma das mais completas bases de dados sobre jogos eletrônicos da internet, cerca de 300 novas máquinas foram lançadas todos os anos nas décadas de 1980 e 90. A maior parte dessa produção podia ser encontrada nas ruas, em fliperamas que ocupavam espaços próprios ou eram improvisados em bares e lanchonetes.
Analista de sistemas morador de Canoas, Michel Bohn, 33 anos, foi arrebatado aos sete em um boliche de Capão da Canoa.
- Apesar de passar por uns apertos, havia uma sensação de conforto inexplicável naquele lugar - diz ele, que hoje coleciona arcades e pretende, com Lopes, montar um clube de colecionadores de arcades e pinball em Porto Alegre.
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Nos anos 2000, os fliperamas de rua entraram em declínio, muito graças ao advento de consoles poderosos, como PlayStation 2 e XBox. Em Porto Alegre, um dos poucos que resistem é o Fliper do Chinês, há 35 anos oferecendo a experiência única da jogatina compartilhada. Além dele, shoppings centers ainda guardam alguns exemplares, embora foquem cada vez mais em simuladores de velocidade, de dança e máquinas que distribuem brindes e quetais.
Essa decadência do fliperama, no entanto, não parece incomodar as novas gerações.
- Quando fazemos eventos aqui em casa, os filhos dos meus amigos não dão a mínima para as máquinas - relata Bohn. - Eles perdem o interesse rápido e voltam para o celular ou o tablet.
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O arcade-history.com confirma a falta de interesse: em 2014, apenas 26 títulos de arcade foram lançados. E um único pinball. Parece que hoje, e cada vez mais, os fliperamas têm lugar cativo mesmo é nas memórias de gente como eu, que já dobrou a primeira metade dos 30 anos ou mais. Resta o conforto de que, tal qual na época, não estamos sozinhos.
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Pinballs e arcades são colecionados por gente que viveu a febre dos fliperamas nas décadas de 1980 e 90
Gustavo Brigatti
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