Marina Camargo desmontou a Terra e criou um novo mundo. Nele, os continentes e as ilhas se enfileiram lado a lado ao longo da linha do Equador. A artista remodelou, assim, um planeta em que a divisão dos hemisférios em norte e sul dá lugar a uma linha igualmente imaginária que une horizontalmente todos os territórios.
Mais do que um novo mapa, a instalação "Gravidade na Linha do Equador" coloca em desmanche toda uma tradição das cartografias que representam não só a geografia física, mas também as fronteiras invisíveis que estabelecem no globo divisões e zonas hierárquicas de poder.
Vem desse trabalho um dos componentes políticos de "Ensaio sobre uma Ordem das Coisas", exposição que a artista inaugura nesta quinta-feira (10/9), às 19h30min, no Goethe-Institut, dentro da programação comemorativa dos 50 anos da instituição em Porto Alegre.
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Desde o começo dos anos 2000, Marina, 35 anos, tem trabalhado entre Porto Alegre e Berlim, tendo realizado diversos projetos e apresentado exposições no Brasil e na Europa. Formada em Artes Visuais pela UFRGS, com mestrado pela mesma instituição, a artista estudou na Akademie der Bildenden Künste em Munique (Alemanha), na School of Visual Arts de Nova York (EUA) e na Universidad de Barcelona (Espanha).
Também ganhou diversos prêmios, como o Funarte de Arte Contemporânea (2010), a Bolsa Funarte Estímulo à Produção em Artes Visuais (2013) e a Bolsa Iberê Camargo (2012), pela qual fez residência no Gasworks, em Londres (Inglaterra). Em Porto Alegre, Marina já mostrou seu trabalho em diversas exposições e em duas edições da Bienal do Mercosul - a sétima e a oitava, em 2009 e 2011, respectivamente.
Nessa trajetória, a artista vem dando corpo a uma produção em fotografia, vídeo e objeto que parte de seus interesses por aspectos paisagísticos e cartográficos. Em comum, essas obras de algum modo discutem questões envolvendo a compreensão da visualidade frente aos espaços e às geografias e o modo como suas representações conformam nosso olhar.
- Tem a ver com um jeito de eu tentar entender e pensar como o mundo é organizado através de representações - conta. - Hoje, já não sei se os mapas são assunto recorrente nos meus trabalhos ou se fazem parte do meu jeito de compreender e me apropriar dos lugares. Acho que as duas coisas.
Ainda que não tenha intenção de estabelecer um discurso, a artista é consciente de que ao tratar de mapas está também fazendo algum tipo de comentário político.
- Tenho total consciência disso, não há ingenuidade - diz. - Não é minha ideia direcionar significados, mas essa questão política vem junta, está no trabalho e, por isso, para além de mim ou da minha intenção. Mapas são sempre representações, e uma representação do mundo muda de acordo com o interesse do que se quer falar.
Fotos de Lauro Alves/Agência RBS
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Foi justamente o interesse em intervir nesses modelos de representações o ponto inicial dos cinco trabalhos inéditos reunidos na exposição individual que a artista apresenta agora no Goethe. Marina se lançou ao objetivo de desenhar o que seria um mapa-múndi perfeito. Fracassou na tentativa, mas entendeu a premissa de que todo mapa é algum tipo de invenção:
- Esse mapa perfeito foi uma ilusão que durou pouco. No meio do trabalho, foi necessário distorcer, porque é impossível esse mapa perfeito, pois é preciso criar uma representação. Por isso, tive que mentir. Então, na verdade, todos os mapas são um pouco mentira.
Nesse sentido, um trabalho que também evoca significados políticos é "Contido em um Sistema de Grades" (abaixo, à esquerda). No vídeo, duas mãos manipulam diversos mapas do Brasil, cortando o país com uma tesoura que se guia pelas linhas de paralelos e meridianos do globo. Ao lado, na parede, uma fotografia apresenta o mapa do país com o território recortado, e esse vazio está cercado por uma espécie de moldura preenchida por porções dos territórios das nações vizinhas de continente.
- Esse trabalho começou pelo interesse pelas linhas que definem e organizam as proporções do mapa - conta Marina. - E de como essa grade cartesiana acaba deformando o que é o globo terrestre, ao mesmo tempo em que estrutura o mapa, pois é necessária para a representação.
Fotos de Lauro Alves/Agência RBS
Nesse ponto, estão em discussão novamente as assimetrias que hierarquizam o mundo em uma ordem geopolítica. Marina recorda de um trabalho que apresentou em uma temporada na Europa que mostrava o território do Brasil: houve quem não entendeu e perguntou à artista qual era o sentido de mostrar apenas o seu país.
- Minha experiência na Europa me ajudou a entender que a centralidade do mundo está no norte e que o resto é apenas o resto para eles. A linha do Equador, em certo sentido, sinaliza essa divisão. Isso ficou muito claro quando apresentei esse trabalho. Eles (europeus e americanos) no geral não veem o que está para além, o que está fora da Europa ou dos Estados Unidos. Somos de fato invisíveis para eles - conta.
Dois outros trabalhos da exposição lidam com a representação esférica da Terra. "Globos" (abaixo) traz imagens em tamanho real de dois isopores que acondicionam globos terrestres didáticos. Porém, são embalagens esvaziadas do conteúdo - e da presença - desse mundo que os globos tentam dar conta. Já "Um Dia em 10 Segundos (Sobre a Relatividade do Tempo)" traz a imagem de um grande globo retirada de uma antiga enciclopédia. Como sugere o nome, o trabalho (acima, à direita) mostra o transcorrer de um dia. Para isso, simula a movimentação do sol de leste a oeste no planisfério, ao longo de 10 segundos, por meio de um mecanismo que movimenta uma luz no interior da estrutura.
Divulgação
"Ensaio sobre uma Ordem das Coisas" apresenta também um trabalho que dá um grande "zoom" no mapa do Brasil, colocando foco sobre a visão aérea de Porto Alegre. É "Cidade Planejada #2 (Porto Alegre)", um vídeo (foto abaixo) em que Marina faz, desfaz e refaz o mapa da Capital como se manipulasse peças de um dominó. Partindo da representação habitual da cidade, ela cria uma geografia urbana imaginária.
- Esse interesse vem de certo incômodo com o aspecto urbano de Porto Alegre. É uma vontade de intervir, mas não no sentido utópico, de criar uma cidade perfeita, mas de uma tentativa, perguntando: e se Porto Alegre fosse de outro jeito? - questiona Marina, que nasceu em Maceió e se mudou ainda criança com a família para Porto Alegre. - Por isso, o vídeo é cíclico, vai e vem, sem oferecer um ponto final, mas ainda assim propondo um modo de questionar a cidade. Uma Porto Alegre que, com essa coisa de eu estar sempre indo e vindo das temporadas que passo em diferentes lugares, cada vez mais é uma espécie de porto para mim, uma cidade de onde sempre parto e para onde volto.
Fotos de Lauro Alves/Agência RBS
Ensaio sobre uma Ordem das Coisas
Exposição de Marina Camargo.
Goethe-Institut (24 de Outubro, 112), em Porto Alegre.
Abertura nesta quinta-feira (10/9), às 19h30min.
Visitação de segunda a sexta, das 10h às 20h, e sábado, das 10h às 14h. Até 17/10. Gratuito.
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