É surpreendente como pequenas coisas podem mudar o mundo. Pequenos detalhes, pequenos gestos, pequenas coincidências que podem alterar a sequência que vinha sendo seguida e se impondo como modelo cultural, reproduzindo-se sem uma visão crítica de seu próprio tempo e espaço. Assim aconteceu com o teatro brasileiro da década de 1940 do século passado.
Em plena II Guerra Mundial, os jovens universitários da elite carioca que estudavam na Europa tiveram que retornar ao Brasil e morrer de tédio convivendo com uma cultura provinciana e fora de moda. Daí, em 1938, alguns deles criaram um grupo de teatro amador denominado Os Comediantes. Quando em 1942 Louis Jouvet, também fugindo da guerra, veio com sua Companhia para o Brasil, esses jovens atores procuraram o grande diretor e o convidaram para dirigir um espetáculo do grupo, sugerindo textos da literatura francesa contemporânea. Jouvet não pôde aceitar o convite - afinal, a companhia estava na América do Sul com um repertório de quatro espetáculos e não havia condições para ele permanecer no Rio para dirigi-los. Porém, o sábio diretor acrescentou - mas, se eu fosse dirigi-los, seria com um texto de autor brasileiro.
Bom, no início os jovens não entenderam muito bem a razão dessa afirmativa, debateram, discutiram, polemizaram, mas aos poucos a ficha foi caindo. Aí, saíram em busca de alguém que escrevesse teatro local, o que praticamente não existia, salvo alguns poucos autores de melodramas. Foi quando o pequeno acidente aconteceu e mudou o mundo. O jovem pianista, ator, tradutor e produtor de teatro Brutus Pedreira apresentou ao Grupo o também jovem e até então desconhecido jornalista Nelson Rodrigues. Eles leram uma peça e se encantaram. Então havia alguém que sabia escrever teatro, bom teatro, teatro moderno, atual, revolucionário. Convidaram o diretor polonês Ziembinski, também fugido da Guerra, para dirigi-los e, no dia 31 de dezembro de 1943, estreava no Teatro Municipal a peça Vestido de Noiva, marco do moderno teatro brasileiro. Coisas que acontecem...