Não é de hoje que eu me pego pensativa depois de sair do cinema. Detalhe: de sessão de cinema infantil. Eu, que pirava o cabeção com Woody Allen, David Lynch, Lars von Trier, tenho saído mexida de filme de criança.
Com as mãos ocupadas em segurar outras mãos, sacos de pipoca, casacos e bolsas (a minha e as das minhas filhas), sobra pouco tapume pras lágrimas. E as crianças não perdoam:
- Mãe, tu chorou?
Sim, chorei. Só de perguntarem, choro mais um pouco. Estou no cinema e no divã ao mesmo tempo.
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- Eu também chorei, mãe. Sou como ela. Do início ao fim - diz Clara, 10 anos, numa identificação total com Riley, a protagonista "humana" do longa, que, um ano mais velha do que ela, se vê diante da primeira crise existencial ao se mudar de uma cidade para outra.
Clara está assim - fervilhando. E eu assistia a Divertida Mente vendo outro filme passar na minha frente: o filme da vida real. Até bem pouco tempo, ela era a menina com uma rota mais curta entre a regra e sua execução. Hoje, existem tantas curvas entre as minhas expectativas e o rumo da nossa prosa diária... Porque, como no filme, parece que a Alegria e a Tristeza sumiram do mapa, e a gaveta dos sentimentos da Clara ficou repentinamente bagunçada.
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Como acessar de volta a tranquilidade daquele caminho entre meu desejo e a atuação da Clara na vida? Se a identificação dela foi direta com Riley, eu me senti o tempo todo como a Alegria, desdobrando-me para não dar espaço nem tempo para a Tristeza atuar na vida das minhas filhas.
Mas a Clara chorou no filme. E eu também. Porque, assim como na história, é preciso ir contemplando ao longo da vida sentimentos mais complexos, aumentando a mesa de controle, incorporando novos botões e deixando rolar.
Já faz tempo que admiro uma certa bagunça na mesa de controle. Desconfio daquelas muito arrumadinhas, das famílias de comercial de margarina, porque, como diz o Caetano, a vida é real e de viés. Portanto, aproximar a Alegria da Tristeza me salta como um dos primeiros bons insights do longa da Pixar. E tem outra coisa que me pegou, também: achei a Alegria um pouco histérica na ânsia toda de ser alegre, entende? Um pouco eu? Talvez. Então, como disse a Clara quando perguntei de qual parte do filme ela havia gostado mais, vou tentar pegar mais leve e ativar a escuta:
- Fiquei muito triste quando a Alegria deixa a Tristeza pra trás. Eu achei a Tristeza fofa, fiquei com pena dela. A gente tem a Alegria e a Tristeza dentro da gente. Não dá pra esconder a Tristeza, né, mãe? A gente precisa aprender a falar o que sente e a chorar.
* Tatiana Cruz é jornalista, editora do site da Marisol na DM9SUL e mãe da Clara, 10 anos, e da Elena, quatro.
Divertida Mente
(Inside Out)
De Pete Docter
Animação, EUA, 2015, 94 minutos, livre.
Em cartaz nos cinemas, em cópias dubladas e legendadas, convencionais e 3D.