O racionalismo predominou nas últimas décadas do século 19, tanto na filosofia quanto na arte, priorizando a razão como caminho para se alcançar a verdade. Assim, a experiência do mundo sensível, cultivada pelo romantismo, foi sendo substituída aos poucos pelo raciocínio lógico, a dedução como método de investigação do conhecimento. E tudo isso deu em quê? Em duas guerras mundiais, a primeira de 1914 a 1918, a segunda de 1939 a 1945.
Na arte do teatro, foi Samuel Beckett o dramaturgo que melhor e mais veementemente retratou as consequências desse absurdo ao dar forma à angústia metafísica que tomou conta do mundo. E a peça que melhor retrata a devastação e a falta de sentido em que o mundo se transformou talvez seja Oh, os Belos Dias, em cartaz de quinta a domingo no Teatro Renascença até o próximo dia 22.
Na peça, Winnie está enterrada no primeiro ato até a cintura, e, no segundo, até o pescoço. E, apesar dessa situação insólita, ela não para de sorrir e de falar como o dia está agradável e como a vida é maravilhosa. Ao seu lado, ao alcance da mão, uma sacola guarda alguns objetos que a mantêm ocupada - os óculos, o espelho, o chapéu, a sombrinha, a escova de dente, o batom, a lixa de unhas e um revólver. Num buraco perto dali, seu marido, Willie, se esconde do sol e da tagarelice de Winnie.
E a cada manhã, quando uma campainha estridente toca até ela acordar e abrir os olhos, ela começa o dia dizendo: "Vai ser mais um belo dia". Ao anoitecer, ela canta e reza, não necessariamente nesta ordem, e a vida continua sendo maravilhosa.
A metáfora da esperança numa terra devastada e sem qualquer perspectiva de liberdade e movimento retrata, sem dúvida alguma, o mundo em que vivemos. Seja acossado pelo extremismo islamita, seja insultado pela corrupção que toma conta do cenário político brasileiro, seja ameaçado pela falta de água, seja incrédulo com as relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos, seja ridicularizado pelos 7 x 1 que levamos da Alemanha, sempre continuamos achando que a vida permanece maravilhosa.