A cena é conhecida. Algumas pessoas tentam conversar. Outras comem caladas. Outras gritam, envoltas pela falsa euforia da galera do escritório. Para uma pequena parte, há uma presença inconveniente que se debruça sobre as mesas e ali fica, encerrando assuntos, impondo-se, ordinária e eletrônica, às vozes limitadas em sua orgânica projeção. A cena é conhecida, vocês já a vivenciaram, talvez estejam nela imersos enquanto leem esta mesma crônica. Estamos em um restaurante, mas bem poderia ser uma casa noturna. Para conversar, é preciso vencer o trovão da música ambiente. Por alguma razão, gritar - em estranha competição - passou a fazer sentido como forma de conduta. Em algum foro da estupidez, decidiu-se que o silêncio e a comida são agora entes antagônicos. Nesse mesmo foro, decretou-se que o silêncio é uma ameaça às atividades humanas. As pessoas já não conseguem tolerar o silêncio, diz meu amigo Felipe Pimentel, e eu me lembro, de imediato, de duas expressões forjadas por Chuck Palahniuk no seu livro Cantiga de Ninar: "silenciofóbicos", "sonorólatras". As pessoas já não conseguem tolerar o silêncio em quaisquer circunstâncias.
O fato é que a música (quase nunca escutada) passou a dominar todas as esferas sociais. Alunos não tiram os fones em sala de aula, amigos se encontram, blindados por fones brancos. Trata-se, antes de mais nada, de uma concepção de convivência, segundo a qual o silêncio seria por alguma razão constrangedor, depressivo, pesado. Incapazes de ouvir o silêncio, também não ouvem a música que os cerca (cansei de tocar em bares em que as gargantas das primeiras mesas sobrepujavam o volume dos instrumentos). Poderíamos falar em surdez, se houvesse silêncio. Até podemos falar em surdez, mas em uma surdez feita de barulho, de uma algaravia a um só tempo interna e externa, inimiga do pensamento, inimiga da própria música esvaziada por inundação de seu poder redentor. O que será que temem escutar quando todos os ruídos cessam?
O silêncio está para o som, assim como o esquecimento está para a memória. Onde há apenas som, não há profundidade. Onde há apenas memória, nenhuma relevância. E nem entrarei no mérito da qualidade da música que agora toca. Prefiro pensar na eficácia dos sinais a usar com o garçom baratinado. Talvez entre todos aqui, aquele que mais precisasse de um minuto de silêncio.