Que cobra te mordeu, tão agachado na tristeza?
Como diz Toninho Sória, árvore genealógica não dá para sacudir que cai uma melancia na cabeça da gente.
Na região da campanha, terra de pelo duro, caras tisnadas e melenas chucras, vivia Seu Eraldo Konrath.
Olhos claros como água de cacimba, e o cabelo da cor do sol.
Nos ofícios de levar couros para os curtumes do Vale, o homem foi pegando gosto, comprou fazenda e adotou as tradições do pampa.
Desde o amanhecer, a cuia na mão. Temprano percorria os campos, invariavelmente.
Já bem perto do meio-dia, Seu Konrath passou perto da velha figueira e se deparou com o Dorvalino, sentado nos calcanhares, tomando, só e silencioso, o seu mate, em demorados goles de acabrunhamento.
Apoiado nos estribos, se reclinando numa atenção ao peão, indagou:
- Que te passa vivente? Que cobra te mordeu, tão agachado na tristeza, olhando para o chão?
Dorvalino roncou o mate, mirou Seu Konrath e foi dando o troco num falar de trote manso:
- Como é que não vou estar abichornado, patrão? Eu, retinto. A patroa, retinta, da cor da noite escura. Nasce um piá com os cabelos que até parecem paia de trigo. E os oios, me desculpe, tais quais da cor dos seus.
Seu Konrath parou, pensou e desenrolou o novelo:
- Dorvalino, espicha a vista sobre estes campos. Não há, homem campeiro, no meio das ovelhas brancas, de vez em quando, uma ovelha preta?
- Que há, há - concordou o peão.
- Pois é a genética, Dorvalino. É a genética, homem.
Olhando para o patrão, sem arrogância, mas deixando arreglada a questão, Dorvalino foi taxativo:
- Olha, Seu Konrath, então vamos fazer um trato. Em nome dessa tal de genética, eu não como mais as suas ovelhas, e o senhor não come mais minha patroa. E não se carece mais de explicação. Feito?