A capa de Pulphead é feita de faixas cobertas por aquele material cinza e brilhante das raspadinhas. Não tente customizar seu livro em locais públicos, o efeito é o de estar comendo um folhado sem pratinho. De qualquer maneira, se você raspar a terceira faixa, de cima para baixo, vai encontrar a frase "o outro lado da América". Isso meio que resume Pulphead, o livro de ensaios de John Jeremiah Sullivan, e não é preciso dizer muito mais para explicar do que se trata, exceto que:
1) Ele escreveu sobre Axl Rose de forma magistral
2) Ele inventou um professor universitário, e só revela o truque ao final do ensaio (ops)
3) Ele tem um amigo que quer fumar maconha dentro da Disney
4) Lá pelas tantas, ele está no meio de pessoas indignadas que realmente acreditam que saúde pública é o primeiro passo para o stalinismo. Ah, a América!
Como aponta o crítico literário James Wood no prefácio do livro, é perceptível o quanto Sullivan deve à ficção na sua maneira de estruturar e contar histórias reais. Soma-se a isso o fato de que algumas frases são dignas do romance contemporâneo mais perspicaz e bonito do mundo (qualquer que seja ele): "O interior cheirava a férias arruinadas e gravações de pornografia amadora embaladas em cortinas de chuveiro de motel e depois abandonadas ao sol"; "Em 2000, não tínhamos nada que não tivesse sido atirado de um caminhão do exército"; "Não creio que precisemos deles. Tudo de que precisamos pode ser feito com milho"; "Virei mais uma chamada não atendida nos bolsos dos seus trajes maravilhosos".
A maioria dos 15 ensaios que compõem Pulphead foi publicada primeiramente nas revistas GQ, The Paris Review e Harpers Magazine. É claro que, no Brasil, salvo a quadrimestral Serrote, não temos nenhuma revista disposta a publicar um ensaio de 15 páginas dizendo umas verdades engraçadinhas e bem apuradas sobre nossa nação multifacetada, mas eu me pergunto se esse é o único motivo para não termos um equivalente a John Jeremiah Sullivan.
Aí eu me lembro que ainda estamos imersos na polêmica sobre as biografias não autorizadas. E que dizer em uma crônica que a classe média gosta de tênis de corrida pode causar uma hecatombe. Um dia, quem sabe, seremos capazes de rir de nós mesmos.