Não muito tempo atrás, um diálogo ou uma instrução em um jogo de videogame se resumia a palavras aparecendo na tela, uma musiquinha em looping e um bonequinho em 8 bits abrindo e fechando a boca sem expressão. De lá pra cá, não só os games evoluíram em recursos visuais e sonoros, mas também o mercado brasileiro exigiu que não seja preciso ser craque no inglês só pra passar de fase.
O caminho para fazer dublagem de games é mais ou menos o mesmo de um filme: não basta apenas uma formação de ator. A dublagem exige foco em questões técnicas diferentes de atuação, e isso faz com que o caminho ideal seja fazer cursos de dublagens e praticar bastante para ganhar experiência. Nos cursos, com base principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro, todos os passos da produção de uma dublagem são ensinados aos alunos, mas a maior parte do tempo é usada para aulas práticas.
- Eles vão pegando cenas de filmes, desenhos animados, séries de todos os tipos, e vão ensinando as técnicas para cada situação - conta Carina Donida, proprietária da Radioativa Produtora.
Uma grande diferença entre games e cinema é que, em um filme, o dublador recebe as imagens prontas, é uma coisa linear, você sabe a história que está sendo contada. Ou seja, já existe um contexto. No game, muitas vezes não existe nada disso, só o texto. E uma coisa é dublar um game onde já existe um projeto (em outra língua), outra coisa é dar voz a um personagem novo, que exige do dublador também o talento da criação.
- A dublagem brasileira, de um modo geral, é muito boa e, mesmo assim, existe um certo preconceito. Existem personagens cuja voz é melhor em português do que na língua original - diz o sócio de Carina, Marcelo Figueiredo. Ele comenta que existe uma grande parte de jogadores, entre eles alguns formadores de opinião, que é muito reticente à dublagem, mas que está começando a acostumar o ouvido.
- Dublagem bem feita é aquela em que você vê a cena, e se convence de que ele (o personagem) está falando aquilo mesmo, está falando português - resume Carina.
NO COMANDO DAS GRAVAÇÕES
Toda dublagem possui um diretor e é bem importante que seja assim. Muitas vezes, o ator entra no estúdio sem saber o que vai fazer, sem ter contato com o personagem. O diretor é o responsável por passar essas informações e situar o dublador conforme a atuação desejada para cada cena. E, para dirigir a dublagem de um game, pode ser um importante diferencial gostar e saber bastante sobre esse assunto.
- Não se trata apenas de tirar uma boa interpretação regida pelo diretor. É preciso que ele também entenda sobre os diversos estilos de gravação de áudio que o projeto solicita - explica o diretor criativo do LoGa Studio, Leonardo Santhos, que também atuou como dublador e diretor em diversos games, entre eles League of Legends, Halo 4 e Gears of War Judgement.
Dá uma conferida nesse vídeo com a sequência de todas as vozes dos Champions do League of Legends dubladas em português:
REMUNERAÇÃO X QUALIDADE
Segundo normas criadas pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos de Espetáculos de Diversões (SATED), um trabalho de dublagem para filmes ou séries é calculado por hora. Para cinema, o cachê pode ser até triplicado. Já para dublagem de games, o valor é calculado por arquivo, ou seja, cada dublador recebe pela quantidade de linhas gravadas do roteiro.
- Infelizmente, algumas empresas acabam não cumprindo esse acordo e pagam cachês, por muitas vezes, baixíssimos para o elenco, além de contratar atores inexperientes para realizar os trabalhos - constata Leonardo, que acredita que essa prática prejudica não só os dubladores, mas também as outras empresas e a qualidade do produto final. Essa qualidade é a principal referência dos jogadores na hora da escolha entre um game dublado ou legendado. Vinicius Machado e Caio Reis, 15 anos, são fãs de games e costumam jogar na língua original.
- Eu acho que jogos em português são bem interessantes, porque não é todo mundo que sabe inglês. Se investirem nisso, e se tiver qualidade, eu jogaria dublado - diz Caio.
- É ótimo ter a (opção da) dublagem. A do Assassins Creed 2 não estava muito boa, já a dublagem do Uncharted 3 ficou boa, eu gostei.- opina Leonardo Carpes Masella, 16 anos, que também prefere jogos na língua original. Ele nunca fez aulas de inglês, mas sabe falar e entender tudo graças aos games que joga desde criança.
O PERDE E GANHA DOS GAMES NO BRASIL
Durante cerca de 40 anos, eles foram sendo moldados. Partiram de um brinquedo básico, que imitava um jogo de raquetes, passaram por uma grande fase em que eram uma espécie de centro de diversão familiar, e hoje ganham o status de produto cultural.
Segundo estudo do grupo alemão especializado em pesquisa GfK, a participação dos consoles de videogames no mercado mundial de diversões eletro-eletrônicas caiu de 2,5% em 2011 para 1,7% no ano passado. Na contramão do resto do mundo, o Brasil foi o que teve maior crescimento entre os países analisados pela consultoria. Mesmo apresentando uma leve queda nos preços, os valores cobrados por aqui ainda estão acima da média mundial. E como a procura aumentou, o faturamento com a venda de consoles cresceu 43%, e o de jogos 72% em relação a 2011. O mercado de games também está muito aquecido no segmento móvel, graças à popularização dos smartphones e tablets. Na App Store, os aplicativos mais baixados e utilizados são os de jogos - 17% do total. Segundo o desenvolvedor de jogos Bruno Cicanci, esse é um nicho cada vez mais explorado, pois é relativamente simples colocar seu jogo para vender no Google Play ou na loja da Apple.
- Jogos sociais no Facebook também sempre foram muito fortes por aqui, o que torna nosso país um bom mercado, e é nisso que muitas empresas estão apostando - explicou.
A FALTA DE INVESTIMENTOS
Mesmo sendo otimista, o desenvolvedor Bruno Cicanci lamenta a ocorrência de fatos que prejudicam o setor, como o fechamento do estúdio da Electronic Arts (EA) no Brasil, anunciado neste mês. Ele critica os poucos incentivos e os altos impostos cobrados pelo governo, que dificultam a criação de jogos no país.
- O mercado também é carente de cursos de especialização em games que não sejam genéricos. Falta foco em alguns cursos, e o aluno não sai preparado para a área em que deseja trabalhar - diz ele.
Apesar das dificuldades, o Brasil é considerado um dos maiores exportadores de talentos do setor. Segundo o presidente da Associação Comercial, Industrial e Cultural de Games (ACIGAMES), Moacyr Alves Júnior, os melhores acabam indo trabalhar no exterior por causa dos incentivos que recebem.
- A França paga até 70% dos projetos abaixo de 1 milhão de euros. O governo da Austrália também financia grande parte dos trabalhos, a fundo perdido. A Coreia do Sul possui um Ministério dos Games e, se você comprova que vai trabalhar com isso, é dispensado do serviço militar - exemplifica Moacyr.
Facilitar a vida do jogador é um bom negócio. Foi vendo a dificuldade que seus amigos tinham em fazer compras fora do Brasil para poderem jogar online que Christian Ribeiro, ao lado de seu irmão, fundou uma empresa de meios de pagamento para games em 2004. Posteriormente adquirida pelo UOL, a Boa Compra trabalha principalmente com o sistema free-to-play (F2P), onde os jogos são grátis, mas existem upgrades oferecidos durante as partidas. Ele que os negócios devem melhorar ainda mais.
- Não existem hoje muitos games online de console, mas a tendência é que isso mude - diz ele. Christian se refere às plataformas online de Playstation, XBOX e ao recém chegado OUYA, que possui código aberto e utiliza o Android como sistema operacional. Atualmente, a empresa de Christian possui parcerias com grandes empresas de jogos, como a Steam (plataforma de jogos para PC), Blizzard (de World of Warcraft) e a Riot (de League of Legends, um dos títulos mais jogados do mundo atualmente).
VÍDEO
Fomos até a Radioativa Produtora para mostrar como é feito o processo de dublagem de games. Olha só:
Notícia
Do You Habla Mi Língua?
Entenda o processo de dublagem de games e como ele está acontecendo aqui no Brasil
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