O Segundo Caderno pediu para o vocalista da Cachorro Grande, Beto Bruno, falar sobre a importância do Garagem Hermética e o impacto de seu fechamento na cena cultural de Porto Alegre. Confira.
Quando cheguei de Passo Fundo a Porto Alegre, no final dos anos 1990, que toda banda do interior queria tocar no Garagem, e eu não era exceção. A efervescência toda que rolava acontecia ali. Quem tocava lá era o Júpiter Maçã, a Space Rave, bandas que tinham som, que colocavam a música em primeiro lugar. Era um lugar que abria espaço para as bandas que ainda não estavam estabelecidas, e foi onde eu encontrei os caras com quem formei a Cachorro Grande. No Garagem, a gente não só trocava figurinha como encontrava parceiros para banda! Foi lá que fizemos os shows mais underground. Não eram shows, eram happenings.
Quando a gente se mudou para São Paulo, uns cinco anos depois, descobrimos que as bandas de São Paulo, Curitiba, Rio, todas queriam tocar ali. Era o reduto do underground em Porto Alegre.
Acho que a prefeitura incomodou muito o Fernando com questões de alvará e ele foi perdendo força. A efervescência cultural da cidade também foi morrendo. Eu estava aí semana passada e não tem o que fazer na cidade. Não tem mais uma banda de rock do underground que seja interessante a ponto de fomentar um público para ir assistir. Não existe mais movimento entre as bandas. Esse lance do DJ tocando é cômodo: os donos das casas pagam menos e se incomodam menos. Mas Porto Alegre nunca mais teve bandas que formassem um movimento e desse vontade de ir assistir.
Na época que tocávamos no Garagem, fazíamos um bolor absurdo: saíamos de tarde pra conseguir patrocínio nas lojas de disco para fazer cartaz, enquanto a Denise, minha mulher, estava bolando o cartaz para a gente. Depois de prontos, a gente saía na madrugada a colar para as pessoas acordarem e verem nosso cartaz. Eu não vejo mais nenhuma banda fazer isso. Com esse bando de bundão que são as bandas hoje, não tem como. Fazem uma divulgaçãozinha na internet e, porque os coleguinhas deles curtem, acham que deu. Na época em que a gente tocava no Garagem, quem ia assistir, via um baita show de rock e voltava no outro dia e levava os amigos para ver.
Eu moro na Augusta. Segunda-feira tem 20 "garagens" abertos com bandas tocando, e todos bem divulgados. O underground em São Paulo vive bem e com as próprias pernas. E isso não é só por causa dos bares: é por causa das bandas que ajudam, são parceiras. Até a gente sair de Porto Alegre, a gente fazia tudo junto com o Fernando. Terminava show no Garagem e ia todo mundo para a Funhouse (casa em que a Cachorro Grande morou e organizou festas no início dos anos 2000), e todo mundo se dava bem nessa. E as bandas estavam querendo fazer som, as de hoje não querem.
O Garagem está fechando porque as bandas de hoje são um bando de bundinhas que não querem fazer rock. Fechar o Garagem é consequência disso: não acontece mais nada em Porto Alegre. É a pior fase musical, cultural, da cidade. É a época mais careta, com as bandas mais caretas que eu já vi na minha vida. Não tem uma que dê para sair de noite e assistir. E o Garagem perdeu com isso também. Se for preciso a Cachorro Grande voltar e fazer um show ali, a gente faz.
Beto Bruno, vocalista da Cachorro Grande