Personagem do premiado filme de Marcos Prado, Estamira Gomes de Sousa ganhou os palcos numa igualmente festejada montagem teatral que poderá ser vista de terça (18/9) a quinta-feira, às 22h, no Teatro de Câmara Túlio Piva. Estamira - Beira do Mundo é um monólogo produzido no Rio de Janeiro, estrelado por Dani Barros e dirigido por Beatriz Sayad. A dramaturgia é assinada pela dupla Dani-Beatriz a partir do documentário que ganhou o mundo em 2006 ao mostrar o dia a dia da catadora do Jardim Gramacho mentalmente perturbada mas com enorme imaginação em suas observações sobre a vida em sociedade.
No espetáculo, que foi definido como "comovente" por Bárbara Heliodora e "contundente" pelo também crítico Eduardo Coelho, a intérprete mistura às falas de Estamira as suas experiências pessoais. A alternância entre as duas personas, documental e fictícia, com mudanças em sua postura corporal e na própria colocação da voz, garantiu a Dani Barros, no ano passado, os prêmios Shell, Questão de Crítica e APTR (da Associação dos Produtores Teatrais do Rio de Janeiro).
O cenário é um lixão de plástico. O figurino está repleto de detalhes de costura que são percebidos por baixo da capa plástica amarela que protege a protagonista. Com suas roupas retalhadas e compostas da união de diferentes materiais, em meio à sujeira e a objetos descartados, Estamira/Dani Barros encontra correspondências, suas próprias memórias e histórias das quais a sociedade não pode _ ou não deveria _ se desfazer.
- Nunca chorei tanto num filme - comentou Dani Barros sobre sua descoberta de Estamira, ao estrear o espetáculo. - Cheguei a visitar Estamira e conhecer o lixão. Mas não fazia sentido pegar o filme e botar no palco. Preferi mostrar o encontro entre ela e eu.
A escolha do Teatro de Câmara para as apresentações no Porto Alegre Em Cena permite a acomodação de 210 espectadores, mas não tira de Estamira - Beira do Mundo o caráter intimista: originalmente a atriz recepciona o público ajudando-o a escolher o lugar para sentar, de modo a aproximar o real de seu monólogo. Saindo do lixão, Estamira virou ficção, mas o que a catadora dizia segue com sentido de realidade palpável.
- Junto com os restos vêm sempre o descuido - ela proferia no documentário. - Eu sou Estamira, eu sou a beira, eu estou lá, eu estou cá, eu estou em tudo quanto é lugar.
Até ontem pela manhã ainda havia ingressos para as três sessões.
No cinema
Estamira Gomes de Sousa ficou conhecida ao ser retratada pelo diretor Marcos Prado no documentário de longa-metragem que leva o seu nome e que percorreu festivais internacionais a partir de 2006. Estamira foi o primeiro longa de Prado, que é fotógrafo, sócio de José Padilha na Zazen Produções, produtor de Tropa de Elite (2007-10) e diretor de Paraísos Artificiais (2012).
No filme, em sua mistura de lucidez e loucura, Estamira fala sobre temas como trabalho, organização social e a existência de Deus enquanto sobrevive no lixão de Jardim Gramacho. Localizado em Duque de Caxias (RJ), tido como o maior aterro sanitário da América Latina, Gramacho foi fechado este ano. Antes, inspirou o artista Vik Muniz e o filme Lixo Extraordinário (2010), entre outros projetos culturais - foi após passar três anos fotografando-o que Prado "descobriu" Estamira.
A tragédia da catadora se consumou em 28 de setembro de 2011, quando ela morreu após aguardar atendimento durante dois dias nos corredores do Hospital Miguel Couto, no Rio. Tinha 70 anos e uma infecção no braço que, devido à demora, se espalhou pelo corpo.
- Estamira sucumbiu à falência das instituições públicas - comentou Marcos Prado à época.