Há filmes que atravessam o tempo. Há filmes que lucram uma fortuna nas bilheterias. Há filmes que entram para a lista das obras-primas do cinema.
E há poucos filmes, como O Poderoso Chefão, o primeiro episódio da trilogia mafiosa de Francis Ford Coppola (1972), que fazem tudo isso e ainda se tornam um fenômeno capaz de influenciar não apenas a cultura pop, mas os próprios personagens da vida real que os inspiraram.
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O Poderoso Chefão foi exibido pela primeira vez em 15 de março de 1972, em Nova York. Quarenta anos depois, o filme já rendeu homenagens, paródias, releituras, duas continuações do próprio Coppola e citações em produções de propósitos e qualidades tão diversas quanto o desenho animado Rugrats e a comédia romântica Mensagem para Você. Além disso, praticamente qualquer filme sobre a Máfia feito depois precisou lidar com a sombra do épico familiar dos Corleone. O filme transformou a própria forma como os americanos passaram a retratar o caldeirão étnico que compõe o país, como conta Tom Santopietro em seu livro The Godfather Effect, lançado este ano.
Mas, no momento da produção dessa adaptação do best-seller homônimo de Mario Puzo, ninguém diria que seria assim. Como conta Peter Biskind em seu livro Easy Riders, Raging Bulls: Como a Geração Sexo, Drogas e Rock'n'Roll Salvou Hollywood (Intrínseca), analisar o filme tendo em mente apenas seu avassalador sucesso é esquecer que sua realização foi um pesadelo. Para começar, ninguém estava muito interessado em fazer um novo filme de Máfia depois que The Brotherhood, com Kirk Douglas, havia sido um fracasso, em 1968. Coppola, por sua vez, não era um nome "quente". Ao contrário, o estúdio Paramount não tinha plena confiança nele. Com o projeto já em andamento, as brigas de Coppola com o produtor Bob Evans e com o diretor de fotografia, Gordon Willis, contribuíram para fazer do set de filmagem um caos de onde se esperaria que saísse antes um crime do que um filme sobre criminosos.
- Na época, os jovens de Hollywood estavam se rebelando contra os grandes estúdios e a artificialidade dos seus filmes - lembra Biskind, em entrevista por e-mail. - Coppola fazia parte desse movimento, e inteligentemente insistia em usar locações reais e atores italianos. Mesmo que as imagens de O Poderoso Chefão sejam estilizadas e líricas, essa decisão deu um contrapeso de autenticidade ao filme. Quanto ao caos, há um ditado em Hollywood de que filmagens felizes levam a filmes ruins, e isso foi certamente verdade em O Poderoso Chefão. Coppola estava à beira de um colapso, a Paramount queria demiti-lo, metade dos atores queria sair, o diretor de fotografia (Gordon Willis) ameaçou sair, e Coppola teve até de se esconder no banheiro. Mas os conflitos muitas vezes geram criatividade.
Saga virou paradigma para os próprios mafiosos
A grande ironia é que um filme gestado no mais completo caos tenha reorganizado de forma simbólica não apenas o universo cultural, mas a própria indústria do cinema. O Poderoso Chefão foi um dos filmes a inventar a moderna indústria do blockbuster - na época, um acordo entre exibidores e distribuidoras previa que um filme com alto potencial de público jamais estrearia em mais de um cinema numa determinada região. Dada a ansiedade pela adaptação cinematográfica de um romance que ficou semanas no topo das listas de best-sellers, o então diretor de marketing da Paramount, Frank Yablans, ganhou poder para "fazer uma proposta irrecusável" aos cinemas, forçando-os a aceitar seus termos.
- Os cinemas estavam tão desesperados para obter o Chefão que abriram mão de algum poder para os estúdios, e nunca mais conseguiram tomá-lo de volta - diz Biskind.
A produção também teve sua cota de problemas com a própria Mafia - o mafioso Joe Colombo, diretor de uma organização ítalo-americana, fez veladas ameaças ao diretor e aos produtores sobre o que considerava um "retrato preconceituoso" da comunidade italiana na América. O irônico é que o sucesso comercial e artístico do filme transformou O Chefão em paradigma não apenas para essa mesma comunidade, mas para os próprios mafiosos. A escritora alemã Petra Reski, autora de Máfia: Padrinhos, Pizzaria e Falsos Padres, um dos mais completos estudos recentes sobre a influência nefasta do crime organizado, afirma:
- Para a Máfia, é muito importante ser considerada como uma organização com valores a preservar, caso contrário, não iria encontrar apoio na população local. Por isso, a Máfia adorou O Poderoso Chefão, que a ajudou a espalhar uma imagem generalizada de um tipo de organização arcaica, baseada em valores arcaicos. A Máfia sabia da necessidade de construir uma imagem baseada em valores desde o princípio, quando decidiu copiar (e perverter) as regras da Igreja Católica: o homem precisa de algo em que acreditar. Mas o único valor real em que a Máfia realmente acredita é a sobrevivência da própria Máfia, a qualquer custo. Eles sempre mataram crianças e mulheres.
Uma declaração que Peter Biskind repete em outros termos:
- Acho que a realidade é que a Máfia não era de fato parecida com aquilo que é visto no filme. Na verdade, os próprios mafiosos frequentemente se voltaram para Hollywood, para os filmes que os romantizaram, em busca de parâmetros de como se vestir ou de como se comportar.
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