Dez anos depois de apresentar no 8º Porto Alegre Em Cena a peça Nossa Vida Não Vale um Chevrolet, Mário Bortolotto volta à Capital para uma homenagem a sua obra.
Com um seminário (realizado nos dias 3/11 e 4/11) e um ciclo de leituras encenadas em bares da cidade, sempre com entrada franca, a programação vai reaproximar o dramaturgo, ator e diretor de um público que teve poucas oportunidades de assistir a seu teatro.
Nascido em Londrina e radicado em São Paulo, Bortolotto, 49 anos, é autor de peças sobre sujeitos que se encontram de alguma forma à parte na sociedade. Boemia, sexo e uma certa nostalgia percorrem suas cenas. Pela afeição a personagens marginalizados, já foi comparado a Plínio Marcos.
O início foi em 1982, com o grupo Chiclete com Banana, depois rebatizado de Cemitério de Automóveis. Recebeu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) pelo conjunto da obra em 2000 e, no ano seguinte, o Prêmio Shell de melhor autor por Nossa Vida Não Vale um Chevrolet.
Em um episódio que causou comoção no meio cultural, Bortolotto foi baleado em dezembro de 2009 em um assalto ao Espaço Parlapatões, em São Paulo. Em estado grave, teve de ser submetido a cirurgia e foi internado na UTI da Santa Casa de Misericórdia da cidade.A volta aos palcos foi em março de 2010,com Música para Ninar Dinossauros, sobre três quarentões que reveem seus sonhos de juventude.
As leituras em Porto Alegre serão realizadas por quatro dos principais grupos da cidade: Santa Estação, Cia. Rústica, Teatro Sarcáustico e Cia. Stravaganza, que planeja para março de 2012 uma montagem de Nossa Vida... com direção de Adriane Mottola e trilha sonora de Nei Lisboa e Bortolotto.
Idealizado pela atriz e produtora Morgana Kretzmann, o projeto pretende diminuir a distância entre o dramaturgo e os gaúchos. Em 2002, o grupo Depósito de Teatro apresentou a peça Uma Balada Podre, que reunia trechos de suas peças, e em 2004 encenou Medusa de Rayban. Bortolotto, por sua vez, produziu três adaptações de livros de autores da extinta editora gaúcha Livros do Mal (Daniel Galera, Daniel Pellizzari e Cristiano Baldi) que não foram apresentadas no Estado.
Leia entrevista realizada com Mário Bortolotto, por telefone, de São Paulo:
Zero Hora - Por que seus personagens via de regra decidem se posicionar à parte da sociedade?
Mário Bortolotto - São estes personagens que me interessam na dramaturgia e na vida. Não consigo me dar muito bem com gente de sucesso (risos). Não é que meus amigos sejam fracassados, mas não são exatamente pessoas muito bem sucedidas. São as pessoas com quem consigo conversar, não têm essas veleidades. Meus personagens optam pela exclusão por acharem o mundo que se apresenta para eles bastante desinteressante. Então eles preferem ficar do outro lado mesmo.
ZH - Para um crítico das instituições como você, o que significaram o Prêmio APCA, em 2000, e o Prêmio Shell,em 2001?
Bortolotto - Na época foi bacana porque eu paguei minhas contas, né, bicho. Estava devendo pra caramba (risos). Já tinha sido indicado (ao Prêmio Shell) e tinha perdido. Aconteceu o inevitável, eles iam acabar me premiando uma hora ou outra. Mas depois também não ganhei mais nada. É como se dissessem: "Já demos o prêmio pra esse cara. Chega" (risos).
ZH - O episódio em 2009, em que você sofreu tiros em um assalto, em São Paulo, mudou sua maneira de trabalhar no teatro?
Bortolotto - Não mudou nada. Eu já era um cara meio desiludido, meio descrente. Isso só se acentuou. Fiquei mais cético, e minha dramaturgia, mais seca, talvez.Mas eu já estava nesse caminho,independentemente de levar os tiros ou não.
ZH - Você é um dos representantes de um teatro que acredita na dramaturgia, diferentemente de um teatro mais voltado para a imagem. Como analisa esta posição?
Bortolotto - Foi isso que acabou com o texto nos anos 1980. Existia a ditadura da imagem no teatro, os diretores privilegiavam mais a cena do que o texto. Tenho medo de que isso volte a acontecer. Muita gente está fazendo teatro de cena, reclamando que tem muito teatro com texto.Acho que tem de haver pluralidade, espaço para todo mundo. Eu vou continuar trabalhando com texto, mesmo que não tenha ninguém para assistir.
Confira a programação de leituras encenadas do projeto Universo Bortolotto, em Porto Alegre:
9 de novembro, às 20h
Hotel Lancaster
Com a Santa Estação Cia. de Teatro
Dhomba (Lima e Silva, 1.037)
No seu quarto no Hotel Lancaster, frequentado por drogados e traficantes, Samuel vende alucinógenos. Cláudio é um jovem recém-casado. Sem dinheiro, ele oferece Debbie para Samuel, apresentando-a como sua irmã.
16 de novembro, às 20h
Homens Santos e Desertores
Com a Cia. Rústica
Bar Van Gogh (República, 14)
Homem e garoto dialogam sobre literatura, mulheres e família. Ambos trocam detalhes de seu passado que ajudam a
entender o que são no presente. Com isso, têm a oportunidade de, não assumidamente, se ajudar.
23 de novembro, às 20h
Uma Pilha de Pratos na Cozinha
Com o Teatro Sarcáustico
Casa de Teatro (Garibaldi, 853)
A cena começa quando Daniel entra no apartamento de Júlio e o encontra bebendo. O diálogo entre os dois começa com temas como mulheres, bebidas e drogas.
30 de novembro, às 20h
Felizes para Sempre
Com a Cia. Stravaganza
Entreato Pub (República, 163)
Três cenas entre homem e mulher num quarto de apartamento: Speak Easy, O Rei do Amor Está Morto e Sweet Emily.
Teatro nos bares
Projeto realiza leituras encenadas de Mário Bortolotto na Capital
"Fiquei mais cético, e minha dramaturgia, mais seca", diz autor
Fábio Prikladnicki
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