"Um passo sem pensar", como diz a canção Natasha, até que passaram-se 40 anos desde que o Capital Inicial apareceu pela primeira vez na cena do rock brasileiro. Uma cena que ainda engatinhava naquele 1982, como recorda o vocalista Dinho Ouro Preto, mas que tomou corpo a partir da fundação do seu grupo e de outros da época, que emergiram em diferentes regiões do país — no caso do Capital, em Brasília. A efeméride das quatro décadas completadas desde então começa a ser celebrada neste sábado (1), no Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre, onde, a partir das 21h, a banda realiza o primeiro show da turnê comemorativa Capital Inicial 4.0.
Foi um passo sem pensar porque nem de longe fazer uma turnê nacional passava pela cabeça daqueles garotos de Brasília, que se reuniram para fazer um som sem grandes nem pequenas pretensões, inspirados por ícones do punk rock que começaram a emergir na década de 1970. Imaginavam menos ainda que esta turnê seria para celebrar 40 anos de estrada. Se alguém contasse, ninguém ia acreditar, e é possível que todos caíssem na risada.
— Pensei que fosse uma fase, só que os anos foram passando, os discos foram se sucedendo e a coisa foi indo, foi indo, foi indo... Até que chegou esse momento em que você olha para trás e diz: "Caralh*, passaram 40 anos" — analisa Dinho.
Ele, por exemplo, apostava que seu futuro seria nas Ciências Sociais, área do conhecimento já seguida pelo pai. Não pensava que a música fosse algo para se levar a sério, tampouco que alguém levaria o Capital Inicial a sério. Isso porque o objetivo da banda, bem como o de outras que surgiram em Brasília na mesma época (Legião Urbana, por exemplo), era somente um: contornar a carência de rock'n'roll e fugir do marasmo da capital federal — que, Dinho brinca, era capaz de enlouquecer qualquer adolescente dos anos 1980.
— O cenário do rock no Brasil era muito diferente. Shows gringos eram raríssimos, tínhamos poucos roqueiros com uma carreira nacional, não se ouvia rock no rádio, nem todos os discos eram lançados aqui, não se conseguia comprar quase nada de rock nas bancas... Era um clima meio inóspito. Sobretudo em Brasília, que mesmo sendo a capital do Brasil, naquele momento era uma cidade do Interior — lembra Dinho. — O que compeliu todos nós a formarmos essas bandas foi a necessidade de criar o nosso próprio entretenimento, porque a cidade não oferecia nada. Era essencialmente tédio, e acho que foi o tédio que nos incentivou (risos) — diverte-se.
Mas tédio é o que ninguém vai sentir na noite deste sábado, pois o repertório preparado pela banda de Dinho Ouro Preto, Fê Lemos, Flávio Lemos e Yves Passarel promete levantar até defunto. O único tédio aceitável é o da canção Tédio (Com um T bem grande pra você), presente no disco Especial Aborto Elétrico, de 2005, no qual os capitais reverenciam a banda da qual fizeram parte Renato Russo e Fê e Flávio Lemos, antes de Renato seguir para o Legião e os irmãos para o Capital.
É possível que a música esteja no setlist, pois, segundo Dinho, o cancioneiro da fase mais punk rock da banda terá garantido o espaço que é seu por direito. Entra na leva de canções "lado B" que os roqueiros fizeram questão de incluir na turnê, na intenção de afagar o coração dos fãs mais assíduos e também de recuperar músicas que, para eles, injustamente acabaram ficando pelo caminho, longe das paradas de sucesso.
Por falar em sucesso, os da banda, por óbvio, serão cumpridos todos. Primeiros Erros, À Sua Maneira, Natasha, Não Olhe Pra Trás, Fogo, Olhos Vermelhos e outros hits que embalaram esses 40 anos de Capital Inicial devem ser apresentados no espetáculo. Espetáculo mesmo, pois o time por trás dele é composto por grandes nomes do mercado: tem direção musical de Dudu Marote, iluminação de Cesio Lima, direção de arte de Batman Zavareze, animação de Eduardo Souza, direção de fotografia de Márcio Zavareze, produção executiva de Fernando Tidi, direção geral de Luiz Oscar Niemeyer e direção executiva de Luiz Guilherme Niemeyer.
É, inclusive, pela característica "espetacular" da apresentação que Porto Alegre foi a cidade escolhida para inaugurar a turnê — uma palinha da estética do projeto até foi dada no Rock in Rio, onde o Capital se apresentou ao lado do Green Day, mas o start oficial é na capital gaúcha. A banda queria dar início a essa empreitada com o pé direito, em um espaço que fizesse jus à grandiosidade do que prepararam, e o Araújo Vianna pareceu perfeito para isso.
— O show tem um aspecto teatral que merece ser apreciado. Em algum momento ele vai para plateias em pé, como foi no Rock in Rio, mas visualmente ele é algo estarrecedor. Acho que ele merecia um lugar como o Araújo Vianna para começar — explica o vocalista.
Segundo Dinho, há ainda o "fator Porto Alegre", que foi uma das primeiras cidades onde a banda fez shows fora de Brasília. E, fechando o combo de razões que fizeram Porto Alegre ser a capital inicial da turnê, a tradição roqueira do Rio Grande do Sul.
— Quando começamos, a gente não sabia da cena paulista, da cena gaúcha. Achávamos que éramos só nós fazendo rock no Brasil, ilhados lá em Brasília. Até que a gente ouve falar da (rádio) Ipanema, manda demos e nossas músicas começam a tocar na rádio. Aí, duas meninas do DCE de uma universidade de Porto Alegre, não lembro se da Federal ou da Católica, nos levam para tocar aí em 1984. A gente tocou junto com o DeFalla e foi a primeira vez que tivemos contato com a cena do rock gaúcho. Falamos: "Uau, que fod*! Que demais!" — lembra o roqueiro. — A gente sabe das raízes, da importância e da tradição do rock no Rio Grande do Sul. Sabemos onde estamos pisando e pisamos com muita deferência.
O que permite ao Capital Inicial voltar a Porto Alegre tantos anos depois (e ter vindo ainda muitas vezes para cá durante as últimas quatro décadas) é, para Dinho, mais ou menos a mesma coisa que os motivou no início de tudo: o desejo de fugir do tédio. Pois, ele diz, a banda "sempre evitou se pautar pela nostalgia, por mais irônico que seja falar isso justamente quando fazemos um projeto que celebra o passado".
Mas ninguém vai discordar que não tinha como deixar de comemorar esses 40 anos nos quais de fato a banda nunca parou de se reinventar. Entre álbuns de estúdio, ao vivos e EPs, foram mais de 20 discos lançados. Fora os DVDs, que somam quase 10. Um acumulado e tanto para quem só queria ter o que fazer, e acabou fazendo tanto que hoje pode se orgulhar de ter deixado sua marca na música brasileira.
— Hoje eu vejo que a geração do Capital ajudou a construir o rock brasileiro. A gente faz parte do cancioneiro popular, pois você vai a qualquer lugar do país e as pessoas conhecem essas músicas todas. Acho que essa é a contribuição da nossa geração: ajudar a construir aquilo que eu denomino como a Música Urbana Brasileira — orgulha-se Dinho, que nos últimos dias não consegue tirar uma única coisa da cabeça:
— Na boa, eu só penso em como isso pode ter acontecido comigo e com meus amigos. Olha isso, olha onde a gente chegou. Quem diria?
"Capital Inicial 4.0"
- Neste sábado, às 21h, no Auditório Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685), em Porto Alegre
- Ingressos inteiros a partir de R$ 220, disponíveis na plataforma Sympla
- Sócios do Clube do Assinante têm 50% de desconto sobre o valor do ingresso inteiro