Um baile em homenagem ao funk de raiz, com direito a Morto Muito Louco, do Bonde do Tigrão, e Sim ou Não, de Anitta e Maluma. Uma noite de música eletrônica num prédio da década de 1920. Um show do maestro Arthur Verocai ao ar livre com a participação de Mano Brown. Assim pode ser resumido o primeiro final de semana do Red Bull Music Academy Festival, evento que rola pela primeira vez no Brasil, em São Paulo.
Com o olhar voltado para os artistas locais, a ideia do festival, realizado anualmente em Nova York desde 2013 e em Paris desde 2015, é impulsionar os talentos da capital paulista e posicionar a cena criativa de São Paulo – e do Brasil – em relação ao mundo inteiro. Mais do que isso, é uma forma de ocupar diferentes espaços da cidade para celebrar a música.
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A função toda começou na sexta-feira com o Baile, no Audio Club, no bairro Água Branca, zona oeste de São Paulo. No centro da festa estava a batida do funk. Para contar a história desse estilo musical, desde o surgimento até os dias atuais, foram convocados Carlos do Complexo, com sua mistura de R&B, hip-hop e funk carioca, o veterano Grandmaster Raphael, um dos primeiros produtores de funk do Rio de Janeiro, e Egyptian Lover, americano pioneiro do electro rap de Los Angeles, que estreou em palcos brasileiros.
No sábado, o agito migrou para a Casa das Caldeiras, também na Água Branca. A ideia da noite Zonas Limiares era reunir DJs, produtores e selos de música eletrônica que impulsionam as noites underground de São Paulo. Com três pistas de dança, o local, revitalizado no final dos anos 1990, por si só já é uma grande atração: um edifício fabril da década de 1920 que abrigava caldeiras vindas da Europa.
A festa, com mais de 20 artistas nacionais e internacionais, estava com ares de Berghain, o templo da música eletrônica de Berlim e da Europa. A atração principal foi o americano Theo Parrish, que apresentou pela primeira vez no Brasil sua fusão do house de Chicago com o techno de Detroit. Ainda no line-up nomes como a americana Honey Dijon e a chinesa Pan Daijing, que tocaram ao lado de talentos locais como Luisa Puterman e Thingamajicks.
No domingo, o clima era bem mais família. O palco do festival foi montado na Praça da Sé, onde está localizado o marco zero da cidade de São Paulo. O maestro, músico e arranjador carioca Arthur Verocai comandou a apresentação ao lado de um time de instrumentistas e cantores. O elemento-supresa do show foi a participação de Mano Brown, que interpretou Cigana, registrada pelo rapper também em estúdio em parceria com Verocai.
Por falar em Brown, os Racionais MC's, que no ano que vem completam três décadas de existência, ganharam uma exposição comemorativa na Red Bull Station, na Praça da Bandeira, no Centro. Nesta terça, no Audio Club, Brown, Edi Rock, Ice Blue e o DJ KL Jay fazem um show especial revisitando clássicos.
Mesmo que para muitos não seja possível acompanhar in loco as atrações, vale navegar pelo site do evento e conferir os nomes escolhidos pela cuidadosa curadoria do produtor e músico experimental Akin Bicudo, que dá mais detalhes:
– O principal critério que utilizamos foi a relevância que o artista ou banda tem no cenário local e na cena em que está inserido, independente do estilo que o define, seja música eletrônica, rap, MPB, rock e outros. O principal elo entre os nomes do line-up são sua importância histórica e a relevância que eles têm no contexto musical atual do Brasil, seja numa cena já estabelecida ou num cenário criativo em crescimento e expansão.
O Red Bull Music Academy Festival continua até o próximo domingo. Entre as atrações, destaque para a noite Queeridxs, na próxima sexta-feira, no Cine Paissandu, para celebrar "a criação de música baseada na força da identidade de gênero que aborda a estética e temática queer". Mykki Blanco, Total Freedom, Tormenta DJ's e Linn da Quebrada, que fez um show empoderado e emocionante em abril, no Opinião, comandam a noite LGBTQ.
Um passeio pelos 30 anos dos Racionais
A trajetória do Racionais MC's, prestes a completar três décadas de existência, pode ser narrada a partir de várias facetas: das letras contundentes da banda, das polêmicas em que o grupo paulistano se envolveu ao longo desses quase 30 anos de trajetória ou dos objetos e fotografias que contam histórias do quarteto mais importante do rap nacional. A terceira opção é a que prevalece em Racionais MC's: 3 Décadas de História em Exposição, com curadoria de Fernando Velázques, em cartaz até o dia 10.
– Essa exposição apresenta 30% do acervo que o grupo possui. Tem o primeiro equipamento (mixer) usado, uma tábua de Brown para escrever algumas músicas, roupas, recortes de jornal e revista, presentes dos fãs. Uma parte da história dos Racionais bem bonita. Tem imagens, tem som, tem tudo lá. Só de fotos tem mais de cem – resume a advogada Eliane Dias, mulher de Mano Brown e CEO da Boogie Naipe, produtora que agencia a banda.
Na mostra está, por exemplo, a letra da primeira versão de Negro Drama, um dos hinos dos Racionais, escrita em um caderno. Também é possível conferir alguns livros que pertencem a Mano Brown. Entre as obras estão Homem Invisível, de Raplh Ellison, um clássico da literatura afro-americana, As Veias Abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, e a biografia O Som e a Fúria de Tim Maia, de Nelson Motta.
* O jornalista viajou a convite do Red Bull Music Academy Festival.