Paulista de Jundiaí, Fabio Zanon, 50 anos, é um dos principais expoentes brasileiros do violão de concerto, reconhecido no país e no Exterior. Em uma resenha do disco Guitar recital (1998), o crítico John Duarte, da revista inglesa Gramophone, considerou Zanon "um membro do mais alto escalão dos violonistas vivos". Para Duarte, seu toque é "marcado por técnica fluente, grande beleza e variedade de som, resposta emocional finamente controlada e sensitividade estilística".
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É esse músico que será o solista do concerto desta terça-feira (27/9) da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), no Salão de Atos da UFRGS, dentro da programação do 8º Festival de Violão da universidade – evento que será encerrado amanhã, com uma apresentação do Quarteto Maogani, no mesmo local. No programa do concerto, que terá regência do maestro suíço Nicolas Rauss, estão o Concierto levantino, do compositor espanhol Manuel Palau (1893 – 1967), solado por Zanon, e o Concerto para orquestra, do húngaro Béla Bartók (1881 – 1945).
Distintos, mas com algo em comum
Para o maestro Rauss, as duas obras têm em comum "uma apreciável dose de osmose folclórica" – ibérica no concerto de Palau; húngara na obra de Bartók:
– É o único aspecto que as relaciona. Todo o resto, como o caráter, o estilo, a força de inspiração, a orquestração, a profundidade de enfoque, o humor ou a falta de humor e as personalidades de seus autores as diferencia, posicionando-as muito longe uma da outra. Espanta mesmo como duas obras que nasceram com apenas seis anos de diferença podem ter uma essência artística tão distante.
O maestro tem a impressão de que Bartók, em seu Concerto para orquestra, teve a intenção – mesmo sem reconhecê-la – de escrever sua grande sinfonia, já que havia composto para orquestra principalmente suítes, balés e peças soltas. Para Rauss, há três influências nessa obra. Uma delas é o folclore húngaro, "ou o que o compositor entendia por isso". Outra é o jazz, uma vez que Bartók residiu nos Estados Unidos. Por último, há certa influência das sinfonias de Rachmaninoff ou de Shostakovich – "desde longe, claro", observa o maestro, "por meio de um lirismo consonante e com certos aspectos quase pós-românticos". É o motivo pelo qual, segundo ele, essa obra pode interessar um público amplo, de gosto sinfônico mais tradicional.
"Spotify e Deezer? Não, obrigado"
Entrevista: Fabio Zanon, violonista
Poderia comentar as características do Concerto Levantino, de Palau? Como a obra foi escolhida para este programa com a Ospa?
É uma obra escrita no final da década de 1940 e que tem um aspecto meio impressionista, parcialmente folclórico espanhol – mas não o espanhol andaluz do flamenco; um espanhol mais contido da costa leste, por isso se chama Concierto levantino. Ele alterna passagens bem dramáticas e grandiosas com outras muito contemplativas e luminosas. Eu enviei uma lista de obras que gostaria de tocar, e a direção do Festival, em conjunto com a Ospa, escolheu. É das obras que mais gosto de tocar. Como ninguém conhece, é um prazer redobrado levar ao público pela primeira vez.
O Festival de Violão é um bom momento para se refletir sobre o instrumento. Na sua visão, quais os desafios para tornar o violão um instrumento mais presente nos programas de concerto e para difundir ainda mais o repertório para o instrumento na seara da música de concerto, sensibilizando os compositores?
Da parte dos violonistas, acho que adequar sua arte às exigências de um público que está acostumado a ouvir Mozart, Beethoven ou Mahler. Temos de cultivar nosso cânone do repertório, que é o que torna o instrumento relevante para o ouvinte de música sinfônica e de câmara. A outra coisa é que a os curadores das orquestras, séries de concertos, etc., pelo fato de serem frequentemente financiados por dinheiro público ou de isenção fiscal, deveriam aumentar um pouco o âmbito de seu gosto e deixar de lado um certo esnobismo musical. O forte do violão é o repertório do século 20 e o repertório ibérico e latino, dois setores que são miseravelmente mal contemplados pela programação daqueles organismos artísticos. Os compositores vão bem, obrigado. Temos mais música de alta categoria do que o próprio repertório consegue absorver. Nos últimos anos, vimos obras para violão escritas por Birtwistle, Julian Anderson, Magnus Lindberg, Kalevi Aho, Aaron Jay Kernis, Luís de Pablo, Tan Dun, etc. Não dá pra ficar melhor que isso! No Brasil, todos, de Marlos Nobre a Flo Menezes, de Edino Krieger a Januíbe Tejera, de Harry Crowl a Egberto Gismonti, todos escrevem para violão. Nem dá tempo da gente tocar tudo que gosta.
Depois de gravar por selos reconhecidos, como Naxos e BIS, o senhor se juntou à GuitarCoop, cooperativa que procura uma outra forma de lançar discos. Por que decidiu integrar esse projeto, que chega em um momento no qual a indústria fonográfica está em crise?
Você já respondeu à pergunta: porque a indústria fonográfica está em crise. Eu gravo para atender ao meu público, primeiramente, e para registrar meu trabalho. Na GuitarCoop, eu decido o que vou gravar, quando, com que produtor e engenheiro de som. Posso decidir praticamente todos os aspectos artísticos do CD. Ninguém precisa mais das gravadoras internacionais, elas só embaçam o trabalho e tomam nosso dinheiro. Meu novo CD já vendeu mais downloads que qualquer trabalho que eu tenha feito em outra gravadora. Meu público sabe agora como chegar a mim.
A GuitarCoop aposta na venda de discos e não disponibiliza seus álbuns para audição em plataformas de música que são cada vez mais populares, como Spotify, Deezer e SoundCloud (no SoundCloud, há apenas amostras). Vocês não podem estar perdendo um público importante justamente em um momento no qual a música de concerto precisa de ouvintes?
O método de trabalho dessas plataformas é: elas ficam com quase 100%, e o artista não fica com nada. Trabalhei por 40 anos para tocar o que toco. Dar isso de graça para essas plataformas inviabiliza a produção de meus próximos trabalhos. Não, obrigado. A GuitarCoop é uma plataforma de conteúdo. Estamos constantemente produzindo material grátis. Basta entrar no nosso site e assistir, e acho que isso já atende ao processo de formação de público.
Pela GuitarCoop, o senhor lançou Spanish music e The romantic guitar (este, pelo que suponho, inspirado em um disco do seu mestre Julian Bream de 1970). Como foi esse trabalho de resgate de compositores românticos para violão e de transcrição de obras para o instrumento? Que novos aspectos do romantismo esse repertório revela?
A ideia aqui foi criar um diálogo entre os compositores célebres e os compositores-violonistas, "não-tão-célebres", por assim dizer. Eles compartilhavam preocupações estéticas e imaginário; há muitos pontos de intersecção entre suas obras. A busca, realmente, foi dotar o violão com obras de compositores que adoro, como Schumann e Mendelssohn, e, nesse processo, valorizar o trabalho de nomes como Regondi ou Bobrowicz. Acho que isso revela a dimensão doméstica do fazer musical da época; a obsessão com a força da natureza, com a solidão; o engajamento com os movimentos políticos da época, uma coisa que não era tão evidente no repertório de violão. As transcrições não são todas minhas; o Schumann, por exemplo, é do Julian Bream, uma transcrição que ele não chegou a gravar. Fui vagamente inspirado por ele, sim, se bem que o repertório é quase todo completamente diferente.
Poderia comentar seus próximos projetos, como os próximos discos e recitais?
O próximo disco para a GuitarCoop terá os 12 Estudos de Francisco Mignone e está em preparação. Brevemente, devo lançar minha gravação do Concierto de Aranjuez com a Osesp. Nós estamos também começando uma série de vídeos de música contemporânea, e devo gravar alguns para essa série. Na maior parte do tempo, a coisa não é tão premeditada. Eu vou um pouco com o fluxo dos convites. Este ano, toquei muitas obras diferentes com orquestra, inclusive a estreia brasileira de Vers, l'arc-en-ciel, palma, de Takemitsu. Em julho, toquei também a estreia brasileira do Le marteau sans maître de Boulez. Nos próximos meses, vou estrear uma obra de Kalevi Aho, devo estrear também uma obra nova da Thais Montanari e ainda me dedicar ao repertório inglês, tocando Tippett, Britten, Maw, Maxwell-Davies, etc. Nos espanhóis, devo tocar mais Moreno Torroba, com vistas a um CD no futuro.
Ospa com Fabio Zanon
Nesta terça-feira (27/9), às 20h30min.
Salão de Atos da UFRGS (Paulo Gama, 110), em Porto Alegre.
Ingressos: R$ 20. Desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante.
À venda na bilheteria do local, das 11h até a hora do concerto. Estudantes, funcionários e professores da Ufrgs podem retirar ingressos gratuitamente (até dois por pessoa) na administração do Salão de Atos, das 9h às 12h e das 14h às 18h (a cota é limitada).
O concerto: terá no programa Concierto levantino, de Palau, e Concerto para orquestra, de Bartók. Solista: Fabio Zanon (violão). Regência: Nicolas Rauss (Suíça).