O Radiohead é a antibanda. Vive antagônica e triunfa nessa grande indústria fonográfica sendo a anti-indústria. Todos os artistas começam a aparecer muito antes de lançar um novo disco: o Radiohead sumiu. O apagar de luzes digital da banda colocou fãs do mundo inteiro em alerta. Tensos. Então, surgiu um clipe: Burn the Witch. A música que, agora sabemos, abre o novo álbum, A Moon Shaped Pool, lançado no domingo. Com uma batida contínua, que faz sentido, o mais próximo que o vocalista Thom Yorke chega da normalidade, abre também falando um pouco do modus operandi da banda: "Stay in the shadows/ Cheer at the gallows/ This is a round up" ("Fiquem na sombra/ Aplaudam a forca/ Isso é um cerco").
Assista ao clipe de Burn The Witch
As músicas do Radiohead são um cerco. Daydreaming, segundo single e número 2 do disco, envolve. Começa falando de como os sonhadores nunca aprendem, seguem, passam do ponto. Aqui, em meio a uma melodia esperançosa – mas tensa, muito tensa –, Thom Yorke fala do divórcio de sua esposa, com quem foi casado por 23 anos, de quem se separou aos 47 anos, metade da idade de Yorke na época da composição, em 2015. Em inglês, "half of my life", ou, para combinar com o jeito feliz de dizer coisas tristes, repetido à exaustão no final dessa música, de trás para frente: "efil ym fo flah". O videoclipe, liberado na última sexta-feira, mostra Yorke passando sozinho por cenas de cotidiano e ambientes vazios.
Assista ao clipe de Daydreaming
A Moon Shaped Pool segue mergulhando cada vez mais fundo em uma certa melancolia feliz. "And in your life/ there comes darkness" ("na sua vida/ lá vem a escuridão") ao mesmo tempo em que há um piano repetitivo saltitante. Decks Dark, terceira canção do disco, nos mantêm no clima inebriado da anterior. Entretanto, a pegada mais firme da bateria traz um ritmo mais real e palpável. Para os fãs da banda, esse álbum provalvemente transite entre a escuridão e a experimentação de Kid A (2000), a delicadeza de In Rainbows (2007), por vezes, com um toque da revolta de The Bends (1995).
Ainda que, como sempre, Radiohead seja uma banda que pouco olha para trás. Ressoa suas próprias influências, mas as joga para a frente, como quem sabe que daqui surgirão novos sons, novas texturas, elementos que vão influenciar toda uma nova leva da música pop, rock e o que mais vier. Vinte e três anos depois do lançamento do primeiro álbum, Pablo Honey (1993) – metade da vida de Thom Yorke é dedicada também a esse casamento –, o Radiohead confirma estar no topo da cadeia de influência da indústria.
Em Desert Island Disk, quarta faixa, um tom um pouco mais conformista: "You know what i mean different types of love are possible", como quem se despede resignado. Na sequência, Ful Stop, e a paz é quebrada novamente. Uma guitarra distorcida lembrando o industrial pós-punk dos anos 1980 – alguém mais ouviu Joy Division? – introduz um choroso "You really messed up everything / But you can take it all back again / Strike up what's in the box?/ Why should I be good if you're not?" ("Você realmente estragou tudo/ Mas você pode pegar tudo de volta/ Comece tudo, o que há na caixa?/ Por que eu preciso ser bom se você não é?"). E então, no auge da raiva, a música se transforma em um mantra de lamento: "Me aceite de volta", e o já conhecido (e amado) canto suave e triste de Thom Yorke.
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O mesmo clima segue em Glass Eyes e Identikit. Essa última, com um coral repetindo a frase "Broken hearts make it rain" ("corações partidos fazem chover"). Identikit é a música mais pop do disco, mais possível no universo das coisas diretas e comuns, no qual Radiohead sempre se inseriu com uma ou duas canções por álbum: Creep (Pablo Honey), Just (The Bends), There There (Hail To The Thief), são exemplos. Se vivêssemos ainda em uma era radiofônica, certamente seria aquela a incluir no topo das paradas.
Um violão mais leve e uma música mais pesada (ainda). The Numbers soma à tristeza da despedida uma crítica voraz ao capitalismo ao estilo de vida atual, ao mesmo tempo em que chama para a briga, quando diz "We call upon the people/ People have this power/ The numbers don't decide/ Your system is a lie" ("Nós chamamos as pessoas/ As pessoas têm o poder/ Os números não decidem/ O seu sistema é uma mentira"). Thom Yorke é sobretudo humano, seja no amor pelo casamento que termina, ou no amor desejo de uma sociedade mais justa.
Quem lembra do clipe de Lotus Flower (The King of Limbs) pode ter na cabeça um certo meme com o vocalista do Radiohead fazendo uma semisambadinha ao som do tema da Globeleza. Sem piadas, na nona música do novo álbum, a banda faz o mais perto que consegue de um sambinha. Present Tense poderia (pode) ser sobre o Brasil e sua atual conjuntura: "Essa dança é como uma arma de autodefesa contra o presente".
Retomado o clima de tensão, Tinker Tailor Soldier Sailor Rich Man Poor Man Beggar Man Thief, nomeada provavelmente (vai saber o que se passa na cabeça de Yorke) a partir de uma brincadeirinha de criança – ou também no livro de John Le Carré que originou o filme O Espião que Sabia Demais (2011) –, traz a paranoia de volta à mesa, tanto melodicamente como na letra. É uma clássica Radiohead.
Finalmente em um álbum de estúdio, True Love Waits é tocada pela banda em shows desde 1995 e está na coletânea ao vivo I Might Be Wrong: Live Recordings (2001). Essa delicada – e triste – canção fala de como o amor verdadeiro reside nas pequenas coisas e implora: "Por favor, não se vá". Um soco no estômago, para fechar o disco com cara de Thom Yorke.
Este é um disco sobre perda, sobre desapego. Como tem que ser, A Moon Shaped Pool não permite o desapego do fã de música ao Radiohead. Ao contrário, rejuvenesce, resgata. Cinco anos depois de King of Limbs (2011), um dos trabalhos menos interessantes da banda – o que ainda é bem acima da média mortal –, chega algo refrescante, que mostra quão fundo ainda é possível chegar na obra dessa que é uma das bandas definidoras das últimas décadas. A Moon Shaped Pool ou, em tradução literal, "uma piscina em formato de lua", é denso, é profundo, é belo e também é obscuro. É meia vida de Thom Yorke: vale cada minuto.