Emocionante, mas engraçado. E maravilhoso. A definição de Bernardo, filho do jornalista, colunista e escritor David Coimbra, faz jus à homenagem feita pelos amigos e colegas. Reunidos na noite desta segunda-feira (14) em um sarau no Teatro Carlos Urbim, na 68ª Feira do Livro, jornalistas do Grupo RBS participaram do painel A vida é boa – Crônicas e causos para lembrar David Coimbra (1962-2022) – uma referência a um dos últimos textos de David, que morreu em maio em decorrência de um câncer.
Com mediação de Kelly Matos, os colegas Diogo Olivier, Paulo Germano, Luciano Potter e Tulio Milman compartilharam memórias, diversos causos e histórias hilariantes, e leram trechos das obras do cronista, venerado por celebrar a vida e vivê-la com leveza.
A fila que se formou antes do evento demonstra o quanto o público aprecia ouvir histórias do colunista. Entre aplausos, risadas e emoção, os leitores conheceram um David que extrapolava o espaço que era dedicado às suas crônicas.
— Combinamos que hoje íamos dar muita risada, porque o que o David mais amava aqui nessa região do Centro era sair e ir tomar um chope — afirmou Kelly, que confidenciou acreditar que o amigo, depois de partir, a ajudou a conseguir engravidar.
A felicidade de poderem ter convivido com David, a quem descreveram como “leal e sorridente”, foi o tema do bate-papo – e todo mundo tem uma história com ele, garante Potter.
— Era muito bom estar com David, ir em qualquer lugar. Por mais que ele tivesse uma potência de cultura e conhecimento, ele era um bom amigo, bom ouvinte, gostava da boa conversa e de argumentar. A falta dele, para a gente, claro, além de grande cronista e jornalista, é de amizade — disse Potter.
Paulo Germano revelou que o amigo era, acima de tudo, o seu maior modelo de como se deve conduzir a própria existência – sobretudo em relação à angústia cotidiana.
— O David conseguia me mostrar como isso era menor ou deveria ocupar um espaço menor na minha vida. Por mais que o dia estivesse despencando na cabeça dele, ele estava sempre tentando se divertir — lembrou. — O que eu achava brilhante na maneira como ele conduzia a vida era justamente sofrer ou conviver com a dor quando ela realmente ocupava um espaço inevitável, mas a vida é boa, como ele sempre dizia.
Em seguida, o jornalista leu a crônica de David que considera a mais emotiva, Certa noite de chuva, argumentando que ela resume muito do que era David Coimbra: um otimista por natureza, que levava a vida sem rancores e preocupações.
Já Diogo Olivier, que passou a trabalhar com crônica esportiva a convite do amigo, revelou que o chamava de segundo pai, devido à vivência e à experiência que o amigo, nem tão mais velho assim, acumulara ao longo dos anos.
— Acabei tratando o David como meu segundo pai, não tinha nenhum cabimento, mas a vida dele era tão melhor, maior e mais cheia de coisa que era possível. Não me lembro de uma decisão pessoal ou profissional que não tenha perguntado ao David — contou.
Os amigos também confidenciaram que lembram de situações recentes em que gostariam de poder fazer perguntas a ele, a quem viam como um grande conselheiro.
Apesar da alegria dos momentos compartilhados, Tulio Milman confidenciou que felicidade não era o sentimento que sentia por estar participando do painel sobre o falecido amigo e que passou o dia tentando lutar contra isso.
— Se por um lado é muito bom quando a gente olha para trás e vê uma amizade de verdade, quando a gente olha para frente e não vê isso mais, são sentimentos que acabam deixando a gente um pouco mexido, mas isso é estar vivo — explicou.
O jornalista compartilhou causos de viagens com David, citando histórias que envolviam futebol, questões do trabalho. Ele lembrou ainda que foi David quem o fez reparar em sua esposa.
— Sinto pelo David um grande carinho e uma enorme saudade, por isso, é dia de celebração, mas me deixou mexido também — afirmou Tulio.
O cronista era o “mais amigo de todos os amigos”, como lembrou Kelly, além de ser aquele que mais curtia a vida. A radialista leu uma crônica sobre salsicha, destacando que o texto, que traz uma reflexão sobre aproveitar a vida e não dar tanta importância para as coisas, falava, ao mesmo tempo, sobre ele.
E essa capacidade de escrever sobre assuntos “inacreditáveis”, transformando fatos corriqueiros em belas reflexões, era um dos dons de David, conforme os colegas - assim como o compromisso com o texto, sobre o qual se debruçava por longas horas. Contudo, eles ficavam tensos ao descobrir que haviam sido citados em seus textos, que traziam homenagens a seu modo peculiar.
— Ele é um dos maiores cronistas da história do Brasil — avaliou Paulo Germano.
Ao final, contendo as lágrimas, os amigos ouviram enquanto Potter lia uma das últimas crônicas de David, Pulei fora dos 60.
O clima de reminiscência estava tão envolvente que o público chegou a solicitar mais tempo para ouvir outras histórias sobre o colunista. Fã do autor, a vendedora Denise Valentini, 59 anos, veio de Taquara apenas para participar do sarau. Ela contou que se identifica com cada texto escrito por David e se emocionou com a homenagem ao cronista, que não conseguiu conhecer pessoalmente, mas garantiu um autógrafo do filho Bernardo.
— O David é para sempre, vai ficar guardado nas nossas lembranças e nesse livro aqui. Cada dia um pedacinho dele — resumiu.
Para finalizar a homenagem, Bernardo e Marcinha, viúva de David, subiram ao palco para receber as palmas emocionadas da plateia, destinadas ao escritor.