Um estudo revela que o mercado de livros digitais e audiobooks no Brasil encontrou brecha para crescer de 2019 para 2020. Divulgados em julho, com a segunda edição da Pesquisa Conteúdo Digital do Setor Editorial Brasileiro, os dados expõem um respiro proporcionado pela tecnologia e apontam novas tendências. Conforme o levantamento, desenvolvido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e pela Nielsen, editoras nacionais registraram um aumento de 81% nas vendas de e-books e audiolivros na modalidade à la carte (em que se considera apenas títulos avulsos): um salto de 4,74 milhões de unidades em 2019 para 8,56 milhões em 2020.
— Temos que separar o mercado de educação, que inclui o livro universitário, e o da cultura. O primeiro segmento está sofrendo muito com a pandemia e as mudanças de tecnologia. Agora, o mercado da leitura por impulso está crescendo muito. É como se as pessoas tivessem redescoberto o prazer de ler — diz o presidente do Snel, Marcos da Veiga Pereira.
A pesquisa indica que o faturamento das editoras com conteúdo digital acompanhou essa tendência de expansão, mas não no mesmo ritmo, devido a ações promocionais. O crescimento real, descontada a inflação medida pelo IPCA, foi de 36% entre 2019 e 2020, incluindo serviços como bibliotecas virtuais e assinaturas. Com isso, o conteúdo digital passou a representar 6% do faturamento do setor em 2020 (era 4% em 2019), enquanto os outros 94% correspondem à venda de livros físicos. Em valores nominais (sem descontar a inflação) significa um crescimento de 43%, de R$ 103,1 milhões para R$ 147 milhões.
Apesar dos resultados avaliados por ele como positivos, Pereira diz ainda haver espaço para melhoria, especialmente no que tange à quantidade de títulos ofertados. O acervo de conteúdo digital cresceu 15%, mas no catálogo de 81,33 mil títulos disponíveis em 2020 os audiolivros representavam apenas 5% (os e-books respondiam por 95%). Na avaliação do presidente do Snel, o percentual é reflexo do processo de produção do audiolivro – mais difícil tanto em termos de revisão quanto pela necessidade de buscar bons intérpretes e estúdios – e do fato de ser um formato ainda pouco conhecido no país.
É um sinal de que o brasileiro ainda aposta no contato com o papel. A quinta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, cujos resultados foram conhecidos em setembro de 2020 (com dados de 2019), revelou que 67% dos entrevistados que já leram obras digitais preferem as impressas. Realizado pelo Instituto Pró Livro e pelo Itaú Cultural, em parceria com o IBOPE Inteligência, o levantamento ganhou recentemente o formato de livro. Organizado por Zoara Failla, Retratos da Leitura no Brasil 5 foi lançado pela editora Sextante e pode ser baixado gratuitamente no site prolivro.org.br ou adquirido em versão impressa (328 páginas, R$ 69,90).
Desafios
A pesquisa relevou um problema profundo: o país perdeu cerca de 4,6 milhões de leitores de 2015 a 2019. A metodologia considerou leitor alguém que leu um livro parcial ou integralmente nos três meses anteriores à entrevista. A redução mais expressiva ficou por conta da parcela com Ensino Superior completo, em que a proporção de leitores caiu de 53% em 2015 para 42% em 2019. Zoara afirma que vários fatores podem ser responsáveis pela queda – o fato de o brasileiro usar cada vez mais a internet no tempo livre é uma das hipóteses. Para 56% dos entrevistados, as bibliotecas são locais destinados à pesquisa ou ao estudo, enquanto apenas 16% acreditam que é para todas as pessoas.
Zoara acrescenta que, apesar de a maior parte dos professores entrevistados serem leitores (80%), suas preferências são semelhantes às do restante da população: em ambos os casos, a Bíblia figura no topo da lista, com folga em relação ao segundo colocado. Outros títulos religiosos ou de autoajuda aparecem entre as obras mais citadas. Quanto aos autores do último livro lido, apenas um clássico está entre os mais citados por professores: Machado de Assis.
— Se o repertório é limitado, como o professor vai indicar ou trabalhar práticas de leitura interessantes para cada faixa etária? — questiona a organizadora do livro.
A luz no fim do túnel, argumenta Zoara, depende especialmente de políticas públicas, que, segundo ela, sofreram um "desmonte" nos últimos anos. Para Pereira, do Snel, é necessário apostar em obras de literatura, além das obrigatórias para estudo, de forma que o hábito encontre mais facilmente vias para se propagar na vida adulta.