Em um ano repleto de incertezas, muitos escritores não encontram a concentração ideal para iniciar ou dar continuidade a projetos literários. Outros aproveitam o isolamento e a mudança de rotina provocados pela pandemia do coronavírus para se aprofundar no trabalho.
Abaixo, oito autores gaúchos ou radicados no Rio Grande do Sul contam como estão lidando com o momento de pandemia — e o que prometem para o futuro. Confira:
Daniel Galera
Estou escrevendo um conjunto de três novelas que pretendo publicar em um único volume, em 2021. Foi um desafio tremendo escrever em 2020, mas aos poucos recuperei o espaço da escrita e tenho prontas as primeiras versões de duas novelas. Uma delas se passa no fim de semana das eleições de 2018 e fala da angústia que aqueles dias provocam na intimidade de um casal esperando o primeiro filho. A outra é uma ficção especulativa que envolve temas como inteligência artificial, identidade e crise ecológica. Sobre a terceira, ainda por escrever, só posso adiantar que é protagonizada por abelhas.
Reginaldo Pujol Filho
Iria começar um romance em março. A pandemia disse não. Me refugiei em textos já começados para seguir trabalhando. Venho revisando para botar na rua (com vacina, espero) o ensaio Charlie Brown Não Frequenta Museus de Arte, sobre relações entre literatura, exposições e museus. E também Nosso Corpo Estranho, ficção que chamo de "exposição portátil" (usa lógica de exposições para narrar"). Às vezes, me frustro por não estar elaborando literalmente estes tempos. Mas estou tão exausto do mundo que voltar a ele na escrita, agora, é desolador.
Julia Dantas
Estou finalizando um romance, mas, para ser sincera, tenho que dizer que só estou finalizando esse romance porque ele calhou de ser parte integrante da minha tese de doutorado, que preciso entregar até o fim do ano. As restrições de movimento dificultam muito meu processo. Sou daquelas que pensam melhor caminhando e, bom, o mundo não está para caminhadas. Por outro lado, minha protagonista é uma mulher que, depois de causar uma tragédia que viraliza na internet, se recolhe ao isolamento da sua casa, então penso que essa quarentena serve como estudo de personagem.
Dilan Camargo
Estou escrevendo um livro de contos, Uma Escada de Areia até o Céu, dividido em três partes: Amanhã, Hoje e Ontem. É um conjunto de contos em que os personagens enfrentam os desafios da vida na perspectiva de tempos diferentes. Diante da pandemia, precisei escrever também uma narrativa projetando o período após a destruição causada pelo vírus. Inspirei-me na mitologia guarani da Terra Sem Males. Da minha sacada, em isolamento, vi borboletas no jardim vazio e então comecei a narrativa. Em certa medida, romantizo o passado, dou realismo ao presente, e projeto as incertezas do futuro. Mas, com um toque de esperança.
Rafael Guimaraens
Acabei de enviar para a gráfica um livro novo. 1935 é minha primeira incursão no romance policial. A cidade se anima com a Exposição do Centenário Farroupilha, Dyonélio Machado sonha com a revolução, Apparício Cora de Almeida investiga quem matou Waldemar Ripoll e a chanteuse francesa Juliette quer esquecer o passado. Envolvido até o pescoço num redemoinho de mistério e paixão, o repórter Paulo Koetz terá a oportunidade de se transformar em protagonista de sua própria vida. Boa parte do livro foi escrita durante a pandemia, em uma circunstância de solidão e sentimento à flor da pele, o que, por certo, se reflete na narrativa.
Verônica Stigger
2020 tem sido um ano difícil. Como se não bastasse estarmos enfrentando junto uma pandemia, temos que, aqui no Brasil, lidar com um presidente que não apenas desdenha dos mais de 150 mil mortos pela covid-19 como sabota toda e qualquer medida para minimizar seus efeitos. É difícil se concentrar num quadro assim. Mas tenho conseguido, em ritmo lento, dar seguimento a três projetos que trabalham muito a partir de material que eu já tinha em arquivo. Dois desses livros são de ficção. O terceiro é uma reunião de textos sem gênero definido.
Robertson Frizero
A quarentena serviu para colocar no papel antigos projetos literários. Sendo grupo de risco, estou em licença médica e resguardado em casa desde o início da pandemia; com isso, a leitura e escrita puderam ser minhas prioridades novamente: estou finalizando o meu terceiro livro de poesias e escrevendo dois romances que formarão um "tríptico" com meu primeiro romance, Longe das Aldeias, sobre migração, exílio — forçados ou voluntários. Penso que a sagra de livros 2020, em geral surpreenderá.
Antônio Xerxenesky
Entreguei no mês passado à Companhia das Letras o meu novo romance, Uma Tristeza Infinita, que trata de um psiquiatra nos anos 1950 lidando com civis traumatizados pela experiência do fascismo e fala do surgimento do primeiro medicamento que prometia tratar a loucura. O livro usa esse cenário incomum para discutir conflitos entre ciência e religião, humanismo e política. Bons leitores saberão traçar vários paralelos com nossa vida contemporânea.