Com um título que remete a Rolling Stones e uma trama que fala de sexo e violência, Simpatia pelo demônio pode parecer a um desavisado um livro feito sob medida para o grande público. Não é o caso. Seu autor é Bernardo Carvalho, cuja frase "não me interessa o leitor" foi uma das mais comentadas (de maneira ferina) na Flip deste ano. Mas nem por isso estamos diante de um romance de difícil leitura: a nova obra do autor de Nove noites e Reprodução é uma bem narrada história sobre temas atuais, como terrorismo e pensamento totalitário.
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– É claro que tenho o maior respeito pelo leitor, mas não quero entrar na cabeça de ninguém para saber o que devo escrever para agradar um largo público. Escrevo pensando em leitores como eu, e a literatura é o campo da liberdade, então é ótimo que possa ser assim – explica o autor.
Logo nas primeiras páginas, Carvalho alerta que a "simpatia" do título tem sentido diferente do referido na stoniana Simpathy for the devil – enquanto, em inglês, "simpathy" quer dizer "consideração", no livro "a simpatia pelo demônio é simpatia mesmo". O belzebu, no caso, é chihuahua (assim, em minúsculas), um neurocientista mexicano manipulador que exerce atração em Rato, funcionário brasileiro de uma agência humanitária em Nova York que está passando por uma crise pessoal.
– Também experimentei uma crise ao passar pelo 50 anos, idade na qual é preciso reacomodar internamente um monte de coisas, mas não sou o personagem do livro. O que é interessante do Rato é que a crise dele coincide com uma crise maior, em escala mundial – diz Carvalho.
O escritor se refere ao terrorismo e ao fundamentalismo religioso – que crescem amparados, em grande parte, nas dificuldades de se lidar com a sexualidade.
– Não é à toa que um atentado recente na França se deu em uma casa de shows com muitos jovens se divertindo – exemplifica.
A trama se inicia quando Rato é enviado para pagar o resgate de um prisioneiro em uma região ocupada por jihadistas. Em uma narrativa que vai e volta no tempo, o leitor descobre aos poucos o desfecho da aventura, bem como a história da destrutiva relação amorosa do protagonista com o mexicano. Os nomes de animais para os personagens se explicam ao longo da narrativa. Foram escolhidos por darem também uma atmosfera de fábula ao livro, segundo Carvalho.
Com momentos de ação combinados a longas reflexões, Simpatia pelo demônio é um livro que explora as similaridades entre opostos. Trata-se de uma leitura que expõe as ambiguidades de um mundo no qual jamais se tem certeza onde o demônio pode realmente estar.
Simpatia pelo demônio
De Bernardo Carvalho
Romance, Cia. das Letras, 232 páginas, R$ 44,90.
Cotação: 4 de 5 estrelas