O nascimento da peça O homem e a mancha, de Caio Fernando Abreu, se deu em uma "saia justa horrível", como lembra o diretor Luís Artur Nunes. Caio escreveu o monólogo por encomenda do ator Carlos Moreno (mais conhecido pelos anúncios televisivos do Bombril) – que não teria gostado nadinha do que ouviu na primeira leitura realizada pelo autor em São Paulo, em 1994, e não o encenou.
– Carlinhos Moreno não falou nada, nem naquele momento e nem depois. Isso deixou Caio muito chateado. Acho que o ator esperava uma coisa mais comportada, mas a peça não é nada disso – lembra Nunes, que estava presente naquela leitura dramática.
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A tarefa da montagem da peça, dois anos depois, coube a uma equipe liderada por Nunes e pelo ator Marcos Breda, ambos amigos de Caio, que viram grande mérito nesse que é seu último texto para o teatro. O escritor sabia do projeto, mas morreu antes da sua estreia. Nunes e Breda agora estão de volta em uma nova montagem de O homem e a mancha – nesta segunda, às 21h, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre – que homenageia Caio (ele faria 68 anos na data) e reverencia aquela primeira montagem do texto, 20 anos depois.
Trata-se de uma "releitura dramatizada multimídia" na qual Breda fará o monólogo e Nunes, também em cena, lerá as rubricas, ou seja, as orientações do roteiro teatral, que usualmente não aparecem ao público. Em um telão, serão projetadas imagens da primeira montagem e de Caio, tudo isso ao som da gravação da trilha composta por Celso Loureiro Chaves para a primeira versão. O homem e a mancha é uma livre releitura de Dom Quixote, de Cervantes, em tom pós-dramático, ou seja, sem uma clara trama com início, meio e fim.
– São fios ficcionais, temáticos, que se entrecruzam, se emaranham e se separam. É uma linguagem muito contemporânea. Na época foi uma coisa revolucionária – analisa Nunes, para quem o teatro de Caio merece ser tão valorizado quanto sua celebrada obra em prosa.
Segundo Breda, O homem e a mancha dialoga com o público hoje ainda mais do que naquela época, pela difusão de manifestações pós-dramáticas na cena contemporânea. O ator observa que, nesse texto, o escritor deu vazão a "algumas de suas principais obsessões artísticas e pessoais", como a figura do protagonista criado por Cervantes:
– O Quixote tem dificuldade em lidar com o mundo porque persegue um ideal irrealizável. Caio também tinha dificuldade em lidar com o real objetivo; porém, seus ideais eram muito elevados. Ele achava que a sociedade dos anos 1980 e 90 estava com as ideias embrutecidas. Isso o elevou a um patamar acima do cômico encontrado no Quixote. Eu o chamaria de tragicômico.
Esse trabalho se insere no projeto CA(IO) Entre Nós, comandado por Nunes, Breda e pela produtora Ivana Dalle Molle, que tem como objetivo divulgar a obra teatral do escritor. Além de levar o espetáculo a outros lugares (estão confirmadas apresentações nesta quinta, no Teatro do Sesc em Canoas, e no sábado, no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo), a ideia do trio é realizar palestras, debates, mesas-redondas e oficinas.