O filme Ainda Estou Aqui é uma adaptação cinematográfica do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Na obra, lançada em 2015, ele conta a história de sua família. O longa, dirigido por Walter Salles, foi escolhido como representante do Brasil no Oscar. Além disso, já ultrapassou a marca de 1 milhão de espectadores no país.
A história retrata que, no período da ditadura militar (mais precisamente em 1971), o deputado Rubens Paiva (interpretado por Selton Mello) foi levado por agentes do exército, no Rio de Janeiro. Ele nunca mais foi visto. Durante anos, a matriarca da família e esposa de Paiva, Eunice Paiva (interpretada por Fernanda Torres e Fernanda Montenegro na velhice), buscou justiça e se dedicou ao ativismo.
Ela voltou a estudar e formou-se em direito aos 48 anos. Seus filhos, Vera, Eliana, Ana Lúcia, Marcelo e Maria Beatriz, seguiram diferentes caminhos.
A seguir, saiba como estão os membros da família que inspirou a história retratada por Marcelo Rubens Paiva e o filme de Walter Salles.
Eunice Paiva
Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva morreu em 2018, aos 86 anos. Ela conviveu por cerca de 15 anos com o Alzheimer. Forçada a reestruturar a vida após o episódio traumático de sua família, mudou-se para São Paulo com os filhos e voltou a cursar direito.
Ela tornou-se advogada e engajou em lutas políticas e sociais, como as causas indígenas, nos anos 1980 e 1990. O escritor indígena Ailton Krenak, de Ideias para Adiar o Fim do Mundo, disse à rádio CBN, no dia 14 deste mês, que "é impossível contar a história do movimento indígena na ditadura sem falar de Eunice Paiva".
Também foi uma das fundadoras do Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (Iama), onde atuou entre 1987 e 2001.
Eunice também foi uma pessoa importante para a promulgação da Lei nº. 9.140/95, que reconhece como mortos os desaparecidos políticos da ditadura militar. Em 1996, conseguiu o atestado de óbito do marido, Rubens Paiva, 25 anos depois de seu desaparecimento.
Rubens Paiva
Rubens Paiva foi preso, torturado e morto sob a tutela do Estado Brasileiro, em 1971, período da ditadura militar (1964-1985). Em 2014, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou cinco militares por sequestro, cárcere privado, homicídio qualificado, fraude processual e ocultação de cadáver.
O caso foi paralisado por uma liminar do Supremo Tribunal Federal
(STF). Os crimes foram contemplados pela Lei da Anistia, de 1979, e nenhum deles foi punido.
No mesmo ano, a Comissão da Verdade deu detalhes da tortura e morte do ex-político. Um dos responsáveis foi o agente Antônio Fernando Hughes de Carvalho, interrogador do Destacamento de Operações e Informações (DOI) na época.
Em abril deste ano, o caso foi reaberto pela Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH), com seis votos favoráveis. No entanto, segue sem resolução. Segundo a BBC, o processo está no Supremo Tribunal Federal (STF) desde outubro, quando o ministro Alexandre de Moraes solicitou posicionamento da Procuradoria da República sobre o mérito do tema. Três dos cinco militares indiciados já morreram.
Marcelo
Marcelo Rubens Paiva, 65 anos, é autor do livro Ainda Estou Aqui (2015). É formado em Rádio e TV pela Universidade de São Paulo (USP) e teoria literária pela Unicamp.
Em dezembro de 1979, quando tinha 20 anos, ele sofreu um acidente ao pular em uma lagoa e perdeu os movimentos do corpo. Foi contando a própria história que se lançou como escritor em Feliz Ano Velho (1982).
Marcelo tem dois filhos, Joaquim, 10 anos, e Sebastião, oito, frutos do relacionamento com a filósofa Silvia Feola.
Vera
Vera Silvia Facciolla Paiva, a primogênita, também conhecida como Veroca, tem 71 anos. É professora titular de psicologia da USP, onde trabalha desde 1988. Como pesquisadora, atua em temas relacionados à saúde, em especial em estudos psicossociais sobre desigualdade e sexualidade.
Entre seus principais assuntos estão as doenças HIV e Covid-19, como o artigo Violência Contra a Mulher: Vulnerabilidade programática em tempos de Sars-Cov-2/Covid-19 em São Paulo, publicado em 2020.
Eliana
Maria Eliana Facciolla Paiva, a segunda filha do casal, nascida dois anos depois de Veroca. Foi presa junto com a mãe durante a ditadura. Em entrevista recente ao jornal O Globo, comentou que nunca falou sobre o caso, apesar de, na época, ter escrito para a revista americana Newsweek com o objetivo de fazer pressão pela soltura da mãe.
— Fiquei 24 horas presa. Me mostraram um trabalho de escola meu sobre a Tchecoslováquia e me acusaram de ser comunista. Me apalparam, bateram na minha cabeça. Uma hora, quebrei o pau com eles, comecei a falar que aquilo era ilegal, que eu era menor de idade. Me soltaram na Praça Saenz Peña.
Atualmente, é jornalista, editora de arte e professora. Também é pesquisadora em semiologia e teorias da imagem.
Ana Lúcia
Ana Lúcia, chamada de Nalu pela família, é amiga de Walter Salles, diretor do longa, desde criança. Foi essa aproximação que permitiu a produção cinematográfica. Atualmente com 67 anos, é matemática e empresária.
Ao jornal O Globo, Ana Lúcia comentou que o filme significa uma espécie de "vingança" pela morte do pai:
— Me senti vingada por esse filme. É uma palavra horrível, né? Uma amiga disse para eu usar outra palavra. Quer saber? Torturaram e mataram o meu pai, olha a vida que a minha mãe teve, que a gente teve. E olha como eu estou me vingando: com um filme! O mundo todo está vendo a nossa história, a história que a gente precisou esconder da vida toda, que o Brasil escondeu. Agora, eu quero saber em detalhes: o que aconteceu com o meu pai, como o mataram e o que fizeram com o corpo. Eu quero saber.
Maria Beatriz
Caçula da família, Maria Beatriz, 64 anos, também é chamada de Babiu. Ela mantém sigilo sobre sua vida pessoal e, segundo O Globo, atualmente vive em Berna, na Suíça.
Para a publicação, afirmou que o longa tocou em "ferida aberta, que sempre sangra". Além disso, ressaltou a força da mãe:
— Minha mãe era o silêncio em pessoa. Ela não chorava. Levantou a cabeça e seguiu em frente. Ela era muito contida e racional. Quando dava entrevistas sobre o caso do meu pai, se mostrava uma mulher muito calma e inteligente. E era mesmo.
Em 27 de novembro de 2012, Maria Beatriz obteve, por meio do então governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, uma cópia do registro oficial da prisão de Rubens Paiva, no Destacamento de Operações e Informações — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), no Rio de Janeiro, em 1971.