De 1997 até 2009, o posto de maior bilheteria da história pertencia a Titanic, clássico do cinema mundial estrelado por Leonardo DiCaprio e Kate Winslet. James Cameron foi o roteirista e diretor da produção, que o colocou no posto de "rei do mundo", como o nomeou a imprensa internacional à época, parafraseando a frase dita por Jack, personagem criado pelo cineasta, na história do mais famoso naufrágio da história.
Cameron, que conquistou nada menos que 11 prêmios Oscar com Titanic, estava literalmente no topo nos anos 1990 e esperava-se um tsunami de novos filmes do diretor, surfando no seu sucesso arrasa-quarteirão. As portas de todos os estúdios estavam abertas para ele. O cineasta, porém, fez o movimento inverso: decidiu esperar e trabalhar com calma em seu próximo longa. Com ambição de que o novo filme fosse tão revolucionário quanto o seu antecessor, porém, ele dependia do avanço da tecnologia para a sua história poder ganhar vida — para isso, ele dedicou 12 anos de sua vida.
Assim, o filme pós-Titanic de James Cameron foi Avatar, lançado em 2009, mais de uma década depois. A espera valeu a pena: o longa, que custou exuberantes US$ 237 milhões caiu no gosto popular e, talvez, tenha sido a produção que mais conseguiu instigar o público a ir aos cinemas justamente para ter a experiência na sala escura, de frente para a telona. E, para conseguir isso, o cineasta decidiu explorar uma tecnologia que não estava em alta e que, antes dele, não tinha atingido o seu ápice: o 3D.
O tiro de Cameron foi certeiro e arrastou multidões aos cinemas, com pessoas ansiosas para assistir ao filme "como se estivesse dentro da tela". De fato, o trabalho do cineasta, dando profundidade às cenas e inserindo elementos que pareciam "sair da tela", com uma qualidade impressionante e efeitos especiais nunca vistos, fez com que ele deixasse de ser o "rei do mundo" para se tornar o "rei do universo", uma vez que a aventura vai para outro planeta, Pandora.
Avatar foi um fenômeno de bilheteria e foi apenas James Cameron que conseguiu tirar James Cameron do topo das bilheterias: com Avatar, Titanic caiu para a segunda colocação. E o longa que conta a história dos Na'vi ficou na liderança até 2019, quando Vingadores: Ultimato, após ser relançado, conseguiu ocupar o pico das bilheterias mundiais — vale lembrar que o título da Marvel foi o desfecho de uma franquia com mais de duas dezenas de filmes, enquanto as duas obras de Cameron são originais.
Porém, após o arrefecimento da pandemia, em 2021, Avatar também foi relançado, para voltar a movimentar as salas de cinema e, com isso, tomou de volta o topo. Neste ano, o longa teve uma nova chance nas telonas, em um aquece para a sua sequência, Avatar: O Caminho da Água, o que fez com que o título tomasse ainda mais distância. Atualmente, Avatar possui uma bilheteria de US$ 2,922 bilhões. Logo atrás, Vingadores: Ultimato vem com US$ 2,797 bilhões. Titanic fecha o pódio, com US$ 2,201 bilhões.
Mesmo com todo o seu sucesso comercial, Avatar tem a sua importância cultural questionada, uma vez que os personagens do filme não se tornaram fenômenos populares para o grande público, como Jack e Rose, de Titanic, por exemplo — existe a lenda na internet de que ninguém se lembra dos nomes dos protagonistas da aventura de maior bilheteria da história. Por isso, GZH acionou dois especialistas em cultura pop para falar sobre o impacto da obra de James Cameron e explicar o fenômeno, que ganha uma continuação nesta quinta-feira (16), 13 anos depois.
O que fez de Avatar um sucesso?
Para o crítico de cinema Waldemar Dalenogare, três fatores explicam o fenômeno de bilheteria: a curiosidade pela experiência marcante, com um salto gráfico que só poderia ser apreciado na sala do cinema, o ingresso da sessão 3D ser mais caro e a pouca concorrência que o filme teve em seu lançamento, em dezembro de 2009 — o último mês do ano e janeiro, por sinal, são épocas de poucas estreias de peso, que se acumulam nas férias escolares de verão dos Estados Unidos, na metade do ano.
— Aquele era um período em que se discutia muito a questão do 3D, do avanço da tecnologia, e aí você tem uma assinatura do James Cameron bancando esse projeto, que ele queria fazer há muito tempo e aguardou o momento certo para ter uma tecnologia melhor e, assim, conseguir levar para o cinema tudo o que ele tinha pensado — explica Dalenogare.
O crítico de cinema e editor da revista digital Almanaque21, Rodrigo de Oliveira, enaltece que tanto Cameron quanto o marketing da Fox — estúdio do longa que, em 2019, foi comprado pela Disney — foram bem-sucedidos ao convencer a audiência de que assistir ao filme no cinema era "imperdível".
— Avatar era vendida como uma produção que perfeitamente utilizava os recursos à mão no momento e que os evoluía. Cameron prometia um espetáculo. A diferença entre filmes que prometem e fracassam e Avatar é que as promessas foram cumpridas. Era realmente uma experiência ímpar conferir o filme nos cinemas e o espetáculo foi entregue. Quando isso acontece, o boca a boca tende a funcionar — aponta Oliveira.
O editor da Almanaque21 ainda afirma que Avatar até pode não ter uma trama brilhante, mas enaltece que a maneira como o diretor reembala uma história de amor transformadora em meio à guerra tem o poder de prender a atenção do espectador.
— E não dá para acusar Cameron de não ser criativo, visto que existe toda uma concepção de um novo planeta, novas espécies e toda uma cultura rica que gera densidade ao filme — complementa.
Avatar é ou não um fenômeno cultural?
De acordo com Dalenogare, o sucesso de Avatar ficou muito mais atrelado à experiência gráfica revolucionária na sala de cinema do que à história e seus personagens. E por mais que o filme tenha uma base de fãs, isso não justifica os seus números e sequer chega perto de outras produções que faturaram menos nas bilheterias, mas que se tornaram mais populares por conta de suas tramas:
— Se você vai em um lançamento da Marvel, da DC, de Star Wars, que passa do bilhão, que alcança números extraordinários de bilheteria, você vai ter meio que um culto ao tipo de história desenvolvida, à questão de personagens, ao roteiro. E você não vê isso com Avatar, porque ele, na minha opinião, virou um marco dessa experiência do cinema.
Para Rodrigo de Oliveira, o longa não ressoou na cultura pop como outros produtos lançados depois pela própria escassez de Avatar no mercado. Ele credita este ponto, inclusive, à enxurrada de lançamentos diários no streaming e às estreias semanais no cinema.
— James Cameron demorou para produzir sequências e isso pesa para qualquer propriedade intelectual. Embora seja difícil encontrar fãs tão devotados quanto os da Marvel e da DC, ou que recitam falas como quem ama Star Wars, Avatar ao menos tem um nome forte. As pessoas conhecem, lembram do povo azul. Talvez não lembrem os nomes dos personagens ou pontos-chave da trama, o que a sequência terá um pouco de trabalho para recapitular — detalha.
A sequência tem chances de superar o original?
Mesmo com um orçamento estimado em US$ 350 milhões — que coloca Avatar: O Caminho da Água na posição de um dos filmes mais caros da história —, projeções apontam que a produção deve ter um grande lançamento nos Estados Unidos, faturando US$ 150 milhões em seu primeiro final de semana. Caso este valor se confirme, o montante será quase o dobro arrecadado pelo longa original, que abriu com US$ 77 milhões. O que resta é saber se o boca a boca será tão eficiente quanto no primeiro lançamento para manter a procura.
Dalenogare também traz pontos que podem beneficiar o longa: um lançamento em milhares de salas de cinema, o que aumenta as chances de uma grande bilheteria, além de um mês de dezembro sem outras grandes estreias, o que deixa espaço livre para a produção de James Cameron brilhar.
— Avatar 2 se coloca como essa experiência do mês e eu acredito que a repercussão vai ser muito forte para essa questão de mais um salto tecnológico, mais um avanço gráfico — diz o crítico. — É preciso convencer o espectador de que ele vai, mais uma vez, encontrar no cinema aquela mesma experiência fantástica de 2009. É difícil? Sim, é muito difícil, mas eu penso que o ambiente é propício para isso, quando não existe qualquer tipo de concorrência.
É com esse lançamento que Dalenogare enxerga o potencial de Avatar se tornar uma franquia que cative também pelos personagens e sua trama, deixando de ser apenas reconhecido pela experiência gráfica:
— Estamos no envolvimento do estabelecimento de uma franquia, mesmo que a longo prazo, com arcos de personagens. Resta saber se o público vai comprar essa ideia ou se vai ficar mais uma vez apenas voltado para a questão do gráfico, com o roteiro não interessando e os personagens não interessando muito. Então, é um ponto decisivo na minha opinião. Mas eu acredito que a projeção de Avatar 2 seja de mais um grande sucesso.
Já Oliveira ressalta que o sucesso de Avatar: O Caminho da Água está atrelado à continuidade da franquia, visto que teve um alto custo e para que as sequências sejam produzidas — James Cameron imaginou cinco filmes — é necessário que o longa se pague e dê lucro. Para o editor da Almanaque21, é possível que o segundo filme da saga não renda tanto dinheiro quanto o seu antecessor, mas ele acredita que será bem-sucedido mesmo assim.
— Difícil prever resultados. Tem gente que adora apostar contra James Cameron e geralmente se dá mal. Na época em que Titanic estava sendo produzido, não era raro ler em veículos especializados que o filme tinha todo o potencial para naufragar tal qual o navio do título. E o que vimos foi um sucesso avassalador, só batido em 2009, exatamente por Avatar. — aponta. — Se tem alguém que consegue bater recordes de bilheteria, esse alguém é James Cameron.
Com Sam Worthington dando vida a Jake Sully e Zoë Saldaña interpretando Neytiri, Avatar: O Caminho da Água estreia nos cinemas nacionais nesta quinta-feira (16).