O policial penal Roney Nascimento sempre defendeu que a palavra tem que ser a grande arma da sociedade, e não um tiro de fuzil. Sua declaração faz parte de Encarcerados, documentário que estreia nesta quinta-feira (26) nos cinemas de Porto Alegre, em uma adaptação de Carcereiros, obra de Drauzio Varella lançada em 2012. O projeto, sob a chancela do médico, tem direção de Claudia Calabi, Fernando Grostein Andrade e Pedro Bial, com produção da Gullane Entretenimento.
As falas de Nascimento não são mera coincidência. Um dos entrevistados da obra de Varella, ele é considerado a fonte inspiradora para Adriano, o carcereiro protagonista do seriado homônimo exibido pela Globo entre 2017 e 2021. A diferença agora é no tom da discussão: sai a versão quase ficcional, entra a narrativa costurada por depoimentos reais de agentes que trabalham no sistema penitenciário.
As entrevistas foram realizadas em oito presídios de São Paulo, no período anterior à pandemia, e seguem atuais ao jogarem luz sobre profissionais invisíveis em meio à sociedade.
— Mostrar o dia dos agentes, assim como dos detentos, nos ajuda a entender o que se passa em um Brasil onde se fala que prender é a solução. Ver o Estado gastando mais em detenção do que em educação é algo que precisa ser pensado, porque não funciona. Estamos criando uma bomba relógio – acredita Grostein Andrade, também criador da página Quebrando o Tabu.
Mais do que a rotina dos profissionais dentro dos presídios, Encarcerados aposta nas histórias de vida de cada um. No livro original, por exemplo, Varella mostra que a origem social deles é a mesma: todos começaram a trabalhar cedo, e a busca pela profissão foi muito mais pela segurança de estar em um emprego público do que por algum apelo vocacional.
Realidade
No documentário, o roteiro consegue transpor essa essência. Para Varella, o filme tem "uma força especial, que é a força da realidade", já que se apropria de pessoas que levam vidas muito diferentes da maioria da sociedade. Ele destaca um trecho de um carcereiro que, após um dia de enfrentamentos violentos, é recepcionado pela mulher dizendo que fez macarrão.
— Essa convivência entre um mundo onde a morte espreita em cada galeria e a vida doméstica, a vida cotidiana que nós todos temos, é muito real. Essa realidade só poderia ser mostrada pelo documentário — explica Varella.
Mesmo com um pouco menos de uma hora e meia de duração, Encarcerados chega ao ponto que deseja em sua mensagem final. Definidas pelos documentaristas como espelhos da própria sociedade, as penitenciárias precisam de uma reestruturação, a fim de que novos massacres, como o registrado em Carandiru, que ocasionou a morte de 111 detentos em 1992, não voltem a ocorrer.
Pedro Bial, que deixa seu lado jornalista "no bolso", como definiu em entrevista a GZH, aponta que o sistema penitenciário pode e precisa ser aperfeiçoado a partir da recuperação ou reinserção dos condenados. Claudia, que faz sua estreia na direção após se dedicar à direção de arte do filme Abe e da série Carcereiros, concorda com a proposta e vai além.
— Se o próprio Estado não consegue garantir os direitos dos detentos que estão sob sua custódia e cumprir a Lei de Execução Penal, fica evidente a necessidade de mudanças. Estamos com um modelo antiquado de sistema punitivista, sendo que já se tem hoje no mundo modelos muito mais bem-sucedidos, que preparam os detentos para voltarem para a sociedade. Não é à toa que os presídios no Brasil são apelidados de universidade do crime —defende ela.
Para mostrar os efeitos deste descaso, Encarcerados estabelece um paralelo com a formação do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção de crime organizado que segue operante no Brasil.
— Se o Estado não tomar uma atitude, alguém vai tomar o poder. A verdade é que os criminosos se organizaram. Certa vez, conheci um presídio que tinha 400 vagas, mas operava com 4 mil presos, com gente por todos os lados. O Estado não consegue garantir que a pessoa vai sair viva dali. Estamos reféns, esta é a realidade — reforça Varella.