O filme Piedade, que entra em cartaz em Porto Alegre nesta quinta-feira (5), teria por si só como atrativo seu elenco com nomes de peso do audiovisual brasileiro. Lá estão Fernanda Montenegro, Cauã Reymond, Matheus Nachtergaele, Gabriel Leone e Irandhir Santos. Mas se trata do quinto longa-metragem de ficção de Cláudio Assis, cineasta pernambucano conhecido por espremer inquietações na tela — sociais, políticas, eróticas e violentas.
Assim como em seus filmes anteriores — Amarelo Manga (2002), Baixio das Bestas (2006), Febre do Rato (2011) e Big Jato (2016) —, Assis volta a contar com Hilton Lacerda como roteirista e Nachtergaele no elenco. Desta vez, a trama é mais autoral. O cineasta mistura várias histórias de sua vida, como a de um irmão que foi roubado na maternidade.
— O filme parte de uma história com a qual convivi muitos anos. É intrigante, ao mesmo tempo em que é bastante autoral. Muito verdadeiro — define Assis.
Piedade é ambientado em uma fictícia cidade homônima de Pernambuco, similar a Recife. Uma cidade transformada pela petroleira PetroGreen, que abalou o ecossistema local e possibilitou o aumento da presença de tubarões nas praias locais. Em uma dessas praias, há o bar Paraíso do Mar, gerenciado por Carminha (Fernanda Montenegro) e seu filho Omar (Irandhir Santos).
Porém, a PetroGreen está de olho no terreno onde se localiza o estabelecimento. A empresa envia o inescrupuloso Aurélio (Matheus Nachtergaele) para negociar com os moradores locais. A proposta encontra resistência, em especial de Omar.
Então, Aurélio parte atrás de um integrante perdido da família, Sandro (Cauã Reymond) — proprietário de um cinema pornô. Aliás, seu filho, Marlon Brando (Gabriel Leone), é um ativista contrário à PetroGreen. O enviado da empresa passa a seduzir Sandro e logo abala as estruturas da família de Carminha.
Bênção
Velho parceiro de Assis, Nachtergaele destaca que Piedade é o filme mais falado de Assis. Ele lembra que havia páginas e páginas de diálogo, algo incomum no cinema do diretor, que costuma se propor mais imagético e menos dito. Mas vai além: é um filme de insistência e cansaço do cineasta.
— Há um fundo de trama melodramático, a mãe que perde e busca seu filho, além da denúncia ecológica. Mas, definitivamente, é um filme sobre a invasão do ultracapitalismo à praia dos nossos afetos. Também é um longa que encontra o Cláudio mais cansado em repetir as mesmas coisas. É um filme importante, de presságio. Acho que encerra uma série de temas que ele quis abordar na vida, das múltiplas violências que a gente causa à terra e uns aos outros — explica o ator.
Rodado em 2017, Piedade teve um caminho nada fácil até sua estreia. Assis foi acometido de um AVC na pós-produção. O longa foi exibido no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2019, onde foi condecorado três vezes: prêmio especial do júri, melhor direção de arte e melhor ator coadjuvante (Cauã Reymond). Em seguida, veio a pandemia, que colocou em suspenso o calendário brasileiro de estreias.
Sobre trabalhar com o elenco estelar, Assis se diz grato:
— Se existe Deus, ele botou a mão na minha cabeça e me levou a trabalhar com pessoas dessa grandeza. Todo mundo jogando a favor, dando certo.
Embora tivesse cogitado inicialmente que Carminha fosse espanhola, o diretor conseguiu ninguém menos que Fernanda Montenegro para o papel. Tendo entrado em contato com ela através de Nachtergaele, a atriz aceitou participar do longa de imediato. Já Cauã Reymond entrou por uma coincidência. Por estar no local certo, na hora certa. Assis e Fernanda se encontraram em uma livraria para conversar. Por lá, um rosto bem conhecido circulava. O diretor o abordou.
— Eu disse: "Venha cá! Você quer fazer um homossexual num filme meu?". Ele aceitou na hora. "Então, você vai ser o meu irmão". Cauã fez e foi sensacional — destaca o diretor.