Propondo uma ótica não estigmatizada do alcoolismo, em meio à ebulição política do Brasil, o drama brasiliense Marés está em cartaz em Porto Alegre. É a estreia do cineasta João Paulo Procópio na direção, que também assina o roteiro. Sócio-diretor da Pavirada Filmes, ele já atuou como produtor, roteirista e montador.
Marés retrata a história de Valdo Gomes (Lourinelson Vladmir), fotógrafo bem sucedido, que é casado com a argentina Clara (Julieta Zarza). Eles têm uma rotina embriagada de felicidade: muito amor e música alta. E álcool. Depois que os dois têm uma filha, Valdo não consegue se controlar e passa a beber cada vez mais. Ao poucos, vai se deteriorando, assim como sua relação com Clara. O divórcio ocorre e, como condição para ver sua filha, Valdo precisa frequentar os Alcoólicos Anônimos. No entanto, o fotógrafo inicia um período com muito mais baixos do que altos.
– Queríamos que a construção do Lourinelson para o Valdo fosse o tipo de alcoólatra passivo, que dá oportunidade de uma nova chance de redenção. Se a gente fosse para esse alcoólatra mais violento, mais relapso, seria muito fácil a Clara desistir dele. Ele é um bom pai, é um bom profissional, é talentoso. Mas o álcool está na rotina dele – explica Procópio.
O diretor conta que se inspirou em histórias de sua família envolvendo alcoólatras para elaborar o roteiro do longa.
– Percebi que, dependendo de quem contasse a história, ou era muito hilária ou era bastante melancólica. Dependia de quem contava: se eram os companheiros de copo ou os familiares. No segundo caso, eram sempre histórias de perda – relata o Procópio.
Para pesquisar sobre o tema, o cineasta começou a frequentar reuniões dos Alcoólicos Anônimos. Os frequentadores, segundo ele, têm a jornada perfeita do herói clássico, na qual um problema precisa ser superado:
– O alcoólatra é o herói e é o problema ao mesmo tempo.
Consequências
De acordo com Procópio, a construção de Marés partiu do desafio de retratar um alcoólatra fugindo do que é estigmatizado em torno do alcoolismo. O filme trabalha mais com as causas e consequências do alcoolismo.
– Fechamos mais nas cenas de ansiedade que o levam a beber, além das consequências, a ressaca moral e física. O alcoólatra é sempre visto como um pária. É difícil para as pessoas, que não estão ali no dia a dia, se convencerem de que nenhum deles quer acordar na sarjeta – analisa.
O alcoolismo de Valdo tem como pano de fundo a Brasília de 2016, em meio à movimentação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o que aumenta a ansiedade do fotógrafo esquerdista em meio aos seus problemas particulares.
– Tenho uma perspectiva que o filme dialoga como um momento histórico, mas retrata um período do Brasil recente em que a gente ficou um pouco anestesiado e cambaleante nas nossas convicções e decisões – avalia o diretor.
MARÉS
- De João Paulo Procópio. Drama, Brasil, 2019, 90min, 16 anos. Em cartaz no Cinemark BarraShoppingSul, às 19h, até quarta-feira. Não haverá exibições neste sábado e domingo.